China

A moda na Revolução Cultural Chinesa

segunda-feira, junho 22, 2015

Por Rafaella Britto

Foto: Reprodução

“Moda, na China, sempre fora política. Nos anos 50, as pessoas transformaram em moda o estilo de vida do comunismo soviético. Gritavam slogans políticos como ‘Alcançar os Estados Unidos e superar a Inglaterra em vinte anos’, e seguiam ao pé da letra as últimas diretrizes do presidente Mao. Durante a Revolução, a moda era ir para o interior para ser ‘reeducado’. Humanidade e sabedoria foram banidas para lugares onde não se sabia que há locais neste mundo onde as mulheres podem dizer ‘não’ e os homens podem ler jornais.
Os chineses nunca seguiam uma tendência por escolha – foram sempre impelidos pela política. Nas minhas entrevistas com mulheres, descobri que inúmeras das chamadas ‘modernas’ e ‘criadoras de tendências’ foram forçadas a sê-lo e, depois, perseguidas pela moda que adotaram. Os homens dizem que, hoje em dia, a moda são mulheres fortes, mas as mulheres acreditam que por trás de toda mulher de sucesso, há um homem que lhes causa sofrimento. (...)” 

(Xinran em “As Boas Mulheres da China” – 2002 – pág. 238)

Foto: Reprodução

A campanha político-ideológica que se estendeu de 1966 a 1976 na China, é conhecida como Grande Revolução Cultural Proletária, ou, simplesmente, Revolução Cultural Chinesa. O processo instaurou o Maoísmo (doutrina comunista preconizada pelo presidente Mao Tsé-Tung) como sistema político na República Popular da China. 
O período antecessor a Revolução é conhecido como a Fome de 1958-61, causada pelo fracasso da campanha de Mao intitulada Grande Salto Adiante, que pretendia o desenvolvimento da industrialização urbana, a coletivização e a sociedade igualitária. A campanha culminou em 30 milhões de mortes decorridas da fome generalizada causada pela seca, e o rompimento das relações da China com a União Soviética.
A Revolução Cultural compreende alguns dos maiores episódios de violência da história do mundo, causados por conflitos internos e instigados pelos jovens da Guarda Vermelha (organização radical não militar, que difundia o pensamento de Mao Tsé-Tung através da distribuição de exemplares do “Livro Vermelho”, e usava de violência física contra todos aqueles que apresentassem deslealdade ao Partido Comunista e à figura do líder).

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

A jornalista chinesa Xinran, durante a década de 1990, foi apresentadora de rádio na cidade de Nanquim, e em seu programa, intitulado “Palavras na Brisa Noturna”, discutia temas cotidianos. Conforme o sucesso, Xinran passou a receber cartas de mulheres de diversos cantos do país que viram na atitude da jornalista a oportunidade de terem suas vozes, por tanto tempo caladas, finalmente ouvidas. As cartas passaram a ser lidas ao vivo, e “Palavras na Brisa Noturna” tornou-se referência na China ao discutir temas impensáveis, até então, como homossexualidade, violência doméstica e condição feminina. Durante dez anos, Xinran colheu relatos e reuniu-os no livro “As Boas Mulheres da China”.

“Todo mundo que viveu durante a Revolução Cultural se lembra de como as mulheres que cometeram o ‘crime’ de ter roupas e hábitos estrangeiros eram publicamente humilhadas. Por diversão, os guardas vermelhos cortavam-lhes o cabelo das maneiras mais estranhas possíveis; lambuzavam-lhes o rosto com batom; amarravam sapatos de salto alto um no outro e penduravam-nos no corpo delas; prendiam-lhes na roupa pedaços quebrados de todo tipo de ‘artigos estrangeiros’”.

(“As Boas Mulheres da China” – pág. 232)


Foto: Reprodução

No “Livro Vermelho”, Mao Tsé-Tung exorta a igualdade entre os cidadãos, não havendo distinção social. Na moda, para homens e mulheres, os trajes tradicionais e ocidentais foram substituídos pelos uniformes militares, de corte austero e padronizado. Roupas estrangeiras eram consideradas como “imperialistas”, “apropriação cultural” e “traição à pátria”. A gola dos uniformes militares chineses foi popularizada no mundo fashion como “gola mao”.


Mao Tsé-Tung, líder da República Popular da China durante os anos de repressão. A gola dos uniformes militares chineses é conhecida como "gola mao"
Foto: Reprodução 

Garotas vestem uniformes militares unissex
Foto: Reprodução

Uniformes militares unissex, a moda da Revolução Cultural Chinesa
Foto: Reprodução

“Meu pai conheceu uma mulher que voltou para a China depois de passar muitos anos na Índia. Tinha mais de cinquenta anos, era professora e muito boa com os alunos (...)
Essa professora afirmava que as mulheres devem usar cores vivas e que o uniforme de Mao era masculino demais. Assim, costumava usar um sári indiano embaixo do blusão regulamentar. Os guardas vermelhos consideraram isso como deslealdade à pátria e condenaram-na por ‘idolatrar coisas estrangeiras e ter uma fé cega nelas.’(...)”

“Entre 1966 e 1976, os anos negros da Revolução Cultural, havia pouco no corte ou na cor que distinguisse a roupa das mulheres da dos homens. Os objetos para uso especificamente feminino eram raros. Maquiagem, roupas bonitas e joias só existiam em livros proibidos. Mas, por mais revolucionários que os chineses fossem na época, nem todos conseguiam resistir à natureza. Uma pessoa podia ser ‘revolucionária’ em todos os sentidos, mas bastava sucumbir a desejos sexuais ‘capitalistas’, e era arrastado para o palco para ser combatido ou colocado no banco dos réus.”

(“As Boas Mulheres da China” – pág. 234)

Foto: Reprodução/Zhang Yaxin

Foto: Reprodução/Zhang Yaxin

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Os anos de repressão chegaram ao fim com a morte do líder da República Popular, Mao Tsé-Tung, e a subida de Deng Xiaoping ao poder, que resultou em novos rumos políticos e econômicos para a nação. A China tornou-se potência mundial, e, atualmente, Shangai consolida-se como uma das mais influentes capitais da moda. 


Foto: Reprodução/Vogue China - 2010

Foto: Reprodução/Vogue China - 2010

Fonte:
  • Livro - Xinran - "As Boas Mulheres da China" - Companhia das Letras - São Paulo - 2002

You Might Also Like

6 comentários

  1. Eu pessoalmente sou viciada na ásia oriental. A China é definitivamente o meu país favorito (empatada com a Coréia do Sul). Isso foi realmente esclarecedor, eu sempre vi a Revolução Cultural como algo social além de político, mas nunca tinha parado para pensar que a moda refletia isso também. Adorei, aumentou ainda mais minha percepção disso.
    Continue o bom trabalho <3

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A Ásia Oriental é tudo! Adoro a Coréia do Sul e Japão, mas a China ainda desperta em mim um fascínio especial. Acho incrível como, mesmo em tempos de repressão, as mulheres encontravam maneiras de estarem mais belas. Fico muito feliz que este artigo tenha servido para ampliar mais os seus conhecimentos!

      Beijos,
      Rafaella.

      Excluir
  2. Rafaella, em meios a tantos blogs de moda que tentam nos ensinar como ser e como fazer felizmente achei o teu que ensina a pensar!!! Amei!!!!

    ResponderExcluir
  3. Rafaella, em meios a tantos blogs de moda que tentam nos ensinar como ser e como fazer felizmente achei o teu que ensina a pensar!!! Amei!!!!

    ResponderExcluir
  4. Rafaella, em meios a tantos blogs de moda que tentam nos ensinar como ser e como fazer felizmente achei o teu que ensina a pensar!!! Amei!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigada pelo carinho, Mayra! Fico muito feliz que tenha apreciado o blog! Beijos e volte sempre!

      Excluir

Sobre

Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


Entre em contato através do e-mail:


contato.imperioretro@gmail.com

Termos de uso

Os textos aqui publicados são escritos e/ou editados por Rafaella Britto e só poderão ser reproduzidos com autorização prévia da mesma (Lei do Direito Autoral Nº 9.610 de 19/02/1998). Produções e materiais de terceiros são devidamente creditados. As imagens ilustrativas são coletadas a partir de locais diversos e são empreendidos todos os esforços para encontrar seus autores/detentores e creditá-los. Se você, artista ou pessoa pública, teve sua imagem utilizada sem autorização, entre em contato e prontamente iremos creditá-la ou retirá-la de nossa publicação.