Cultura

A atemporalidade do crop top

sábado, outubro 24, 2015

Por Rafaella Britto

(Foto: Reprodução)

Barriga à mostra é uma das principais apostas para o Verão 2016 nas passarelas da São Paulo Fashion Week: seja esporte ou gala, nas ruas ou nos catálogos de renomadas grifes, a tendência dos crop tops (ou top croppeds) é reinventada no decorrer das décadas, e permanece atualíssima.

Rouge: a moda dos crop tops no início dos anos 2000
(Foto: Reprodução)

Os primeiros crop tops possuíam aspecto conservador, modelando a silhueta ampulheta, proeminente no glamour das décadas de 1930-1940. A premiada figurinista de Hollywood, Edith Head, transformou Barbara Stanwyck em ícone de beleza e elegância feminina: Head, que vestiu Stanwyck em mais de 30 filmes, buscava atrair a atenção para os seios e ombros da atriz, com croppeds de ombros largos, gola alta e mangas, combinados a peças de cintura alta. A silhueta vigente foi recriada pelo estilista brasileiro Alceu Penna para a fantasia de Carmen Miranda, popularizando a moda da pele exposta.

À esquerda, Barbara Stanwyck em "As Três Noites de Eva" (1941), com figurino de Edith Head; à direita, Carmen Miranda veste Alceu Penna
(Foto: Reprodução)

Durante a Segunda Guerra Mundial, a paralisação da fabricação da seda fez com que meias-finas fossem substituídas pelas meias-soquetes. Top croppeds tornaram-se peças desejáveis para passeios e práticas de atividades esportivas, como tênis e natação.

(Foto: Reprodução)

Na década de 1960, Mary Quant, a criadora da minissaia, causou frisson por sua moda de caráter libertador. As minissaias, croppeds e calças saint-tropez (de cintura baixa) tornaram-se símbolo da contracultura e inconformismo. O poeta Carlos Drummond exaltou a nova moda em sua crônica “Umbigo”: "Umbigos andam por aí desafiando tua capacidade de curtir o novo dentro do eterno. Se na praia eles não são percebidos, porque se inserem no quadro global, na rua, no coletivo, na loja, no escritório, são uma presença nova, uma graça diferente acrescentada ao espetáculo feminino, um dom sem destino certo, que é a bonificação de um ano em que tantos perderam na bolsa, mas acabaram lucrando na vista...”

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

A tendência do top cropped tornou-se predominante na moda disco e movimentos contraculturais. Entretanto, seu uso não se restringiu somente às mulheres. Embora haja, na atualidade, resistência quanto ao uso dos crop tops por homens, no passado, a peça era amplamente adotada pelo sexo masculino: nos anos 1970, nos EUA, levantadores de peso cortavam suas camisetas para ajustarem-se ao código de vestimenta das academias, que não permitiam o não uso da camisa. Os crop tops masculinos conquistaram adeptos em esportes como futebol e atletismo, e a moda espalhou-se ao redor do mundo.

Arnaldo Baptista, líder da banda brasileira Os Mutantes, veste cropped em fotografia tirada entre 1973-1975
(Foto: Arnaldo Baptista - Mutantes)

O crop top conquistou seu auge na década de 1980: a juventude preconizava um novo estilo de vida baseado na saúde física. Madonna, com seu cropped de malha rendada no videoclipe de “Lucky Star”, e sucessos do cinema como “Flashdance” e “Dirty Dancing”, consolidaram a tendência entre as massas. A moda fitness tinha em Jane Fonda seu símbolo máximo. Tornaram-se populares as peças em elastano – tecido conhecido pelo nome comercial Lycra –, exaltando a boa forma dos corpos.


Patrick Swayze e Jennifer Grey em "Dirty Dancing" (1987)
(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

Empresas de varejo como a Nike migraram a moda do esporte e lançaram pela primeira vez ao mercado os croppeds esportivos Jersey. O uso de croppeds por homens fez-se notável em filmes como “The Warriors”, de 1979, “Rocky III”, de 1982, “Nightmare On Elm Street” – Johnny Depp em sua estreia no cinema -, de 1984, e “No Holds Barred”, de 1989.

Johnny Depp em "Nightmare on Elm Street" (A Hora do Pesadelo), 1984, usando cropped jersey
(Foto: Reprodução)

Embora muitos homens recorressem ao DIY, recortando suas camisas e suéteres, era possível adquirir croppeds masculinos em lojas. As fotografias a seguir retratam cidadãos em suas atividades de lazer, mostrando que, para os homens das décadas de 1970-80, expor a barriga não representava problemas.

(Fotos: Crop Tops are for Guys)

(Fotos: Crop Tops are for Guys)

(Fotos: Crop Tops are for Guys)

(Foto: Crop Tops are for Guys)

(Foto: Crop Tops are for Guys)

Nos anos 1990, as cropped t-shirts oversized deram lugar a bustiês (usados tradicionalmente como lingerie) e peças ajustadas ao corpo. Personalidades como a über model Cindy Crawford, as atrizes Tiffani Thiessen e Drew Barrymore, a cantora Shania Twain e, posteriormente, as popstars Britney Spears e Christina Aguilera, lançaram moda entre adolescentes. Em colégios que prezavam por códigos de vestimenta conservadores, crop tops foram proibidos.

Tiffani Thiessen. Liv Tyler e Drew Barrymore
(Foto: Reprodução)

Carla Bruni, Linda Evangelista e Naomi Campbell para Chanel Primavera/Verão 1993
(Foto: Reprodução)

Integrantes das girlgroups Spice Girls e All Saints apresentaram-se em shows vestidas em croppeds, durante suas gravidezes: a partir de então, a peça foi adotada por mulheres grávidas, que preferiram mostrar suas barrigas, ao invés de escondê-las.

Melanie Blatt, integrante do grupo musical All Saints, grávida, e o músico Stuart Zender
(Foto: Reprodução)

A atemporalidade do crop top é glorificada em suas reinvenções. Inspire-se nas possibilidades sugeridas pelos principais designers da atualidade!


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Fontes:

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8 comentários

  1. Eu particularmente amo crop tops, principalmente se forem iguais aos da Carmen!
    Beijos!

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  2. Minha mãe e irmã mais velha chamam esses tops curtos antigos até os de ´80s de bustiê. E também blusas curtas com recortes estruturados. Não sei se você tem essas referências também. O nome cropped, eu lembro de ser chamadas as blusas que eram literalmente cortadas na década de 80 que, por virarem febre, passaram a ser fabricadas "já cortadas" algumas vezes até com barra feita (eu cheguei a usar modelitos assim haha). Eu acho engraçado essa trend ter voltado com o nome "cropped" já que é raro, nas lojas, venderem o modelo sem a barra feita. Coisas da Moda :D

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    1. Também tenho essas referências. Já conversei com mulheres mais velhas que, na época, cortavam suas próprias blusas (minha mãe, inclusive) , mas acho curioso perceber como nem elas mesmas sabem afirmar ao certo o nome dado a peça, algumas dizem dizem "bustiê", outras dizem simplesmente "blusas cortadas". O termo "cropped" me parece bastante novo. Acredito que tenha sido empregado em determinado momento para definir peças já cortadas, mas por causa da popularização, a indústria precisou cunhar um termo comercial - e funcionou. Sou grande adepta das tendências do passado, e croppeds são peças que amo e faço muito a partir de calças, principalmente. Eu acho que essa "trend" não voltou propriamente: acredito que ela nunca se perdeu. Se prestarmos atenção, veremos que ela sempre esteve presente na moda da década de 40 até aqui. Ela surge de uma maneira tímida, e logo depois se torna mainstream, para depois estar "fora de moda" outra vez. Mas percebo que essa trend vem retornando com mais força. Procure pela hashtag #boysincroptops no Instagram. É engraçado perceber o movimento que se criou em torno da peça atualmente, sobretudo garotos que agora a tornam um símbolo de resistência contra o preconceito. O cropped masculino tem levantado questionamentos sobre identidade de gênero. Como você disse: coisas da moda. :D

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    2. É isso que me deixa curiosa (por isso adoro hist. da moda hehe)...também acho que o termo é recente. Acho que em algumas épocas nem teve nome. Lembro de nos anos 80/90 quando eu usava, ninguém chamava de cropped por por exemplo, a gente chamava simplesmente de "blusa", porque era a "blusa da moda" (como depois outros modelos vieram a ser). Eu pela primeira vez (já que não sou tão novinha como você ♥) estou vendo as modas de minha infância e adolescência voltarem a ser usadas, relidas. Assim como outras peças de moda, que foram e voltaram, esta tem muita história! :D

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    3. Por isso amamos história da moda! ♥ É realmente incrível investigar a história que há por trás de uma aparente simples peça de roupa. E acredite, apesar de novinha, estou muito mais antenada no que é velharia do que no que é novidade. =P

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    4. Sim! E isso é notável em você, tanto pelo nome do blog quanto pelo conteúdo. Outro dia eu e uma amiga comentávamos o quão incrível você é, sendo tão novinha e gostando tanto de história da moda e imaginando que é de pessoas como você que a moda brasileira precisa. Quando eu tinha sua idade eu não tinha 10% do acesso à conhecimento (de Moda) que sua geração tem, vocês tem o poder incrível de mudar as coisas no presente e futuro! ♥

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    5. Puxa, Sana, muito obrigada pelo carinho, seu comentário me alegrou muitíssimo! Você sabe o quanto a admiro, e o quanto você é importante para esta geração da moda. Precisamos de mais pessoas dedicadas ao pensamento, ao estudo da roupa, e preferencialmente pessoas que quebrem os "academicismos" que só provam que o conhecimento no Brasil é reservado a um pequeno grupo de privilegiados. Essa semana mesmo estive pensando em você e no quanto o seu trabalho é inspirador para mim e para tantos outros. ♥

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Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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