Cinema e TV

Uma atriz temperamental ou mal compreendida? Leia os relatos das primeiras experiências da senhorita Garbo na América

domingo, julho 09, 2017



Terceira e última parte da entrevista de Greta Garbo à Photoplay. 
Por Ruth Biery. Tradução de Camila Cruz 



Nos dois números anteriores da sua história fascinante, Greta Garbo falou sobre a infância solitária na Suécia e o início da sua ambição de se tornar uma atriz. Ainda jovem ela entrou para a Royal Dramatic School em Estocolmo e quando ainda era uma aluna, Mauritz Stiller descobriu seu possível talento para o cinema. Seu primeiro filme Europeu foi um enorme sucesso, mas por conta da crise financeira na Europa a carreira de Greta Garbo pareceu estagnar até o momento em que Stiller encontrou Louis B. Mayer em Berlim. Mayer assinou um contrato com ambos, diretor e atriz. Quando o verão terminou, a senhorita Garbo viajou para a América. Ela era tímida, excêntrica e não falava inglês. Mas tinha grandes esperanças e imaginava que Nova York fosse um mar de flores. Leia agora o capítulo final dessa história de vida cativante.

A chegada a Hollywood, ao lado do diretor Mauritz Stiller, 1925 (Foto: Reprodução)


"Não, eu não encontrei flores em Nova York. Eu encontrei calor!" Greta Garbo estremeceu. "Eu cheguei em uma péssima época do ano. Era Julho de 1925. Eu não conseguia respirar. Nós fomos parar em um péssimo hotel... um sueco que já tinha passado uma temporada lá foi conosco. Eu perguntei se todos os hotéis americanos eram tão ruins como aquele. Fiquei em Nova York três meses, mas vi pouca coisa. Eu ia do meu quarto ao banheiro e voltava para o quarto." Ela riu um pouco. "Acho que gastei quase toda a água de Nova York. Eu ficava embaixo d'água gelada para tentar não torrar.

"Fui assistir 'The Follies' [Ziegfeld] e fui ao Winter Garden. Eu gostei. Achei muito divertido observar os americanos.

"Viemos para a Califórnia em Setembro. Em Nova York eu passava quase todo o tempo em que ficava mergulhada na banheira pensando em como seria quando eu chegasse à Califórnia e começasse a trabalhar nos filmes americanos. Mas esperei quatro meses até poder fazer um filme. Eu trabalharia com o Sr. Stiller. Como isso não aconteceu, eles me colocaram em 'The Torrent' com o Sr. Monta Bell na direção.

"Sim," ela hesitou por um momento. "Foi muito diferente. Os estúdios daqui são uma espécie de fábrica. São enormes, têm que ser administrados como administram as fábricas. É muita gente dentro deles, não dá para ser diferente. Mas eu fiquei um pouco assustada com isso.


Com o diretor Mauritz Stiller a caminho da América (Foto: Reprodução)


"Eu não falava inglês. Eu não sabia nada sobre os americanos. Na Europa nós trabalhávamos em pequenos grupos, conhecíamos todo mundo.

"Foi engraçado. Antes de eu começar a filmar 'The Torrent', Sr. Mayer me chamou de volta para o escritório dele e queria que eu assinasse um novo contrato.

"Mas eu disse, 'Miiir Mayer' - eu falava pouquíssimo inglês e minha pronúncia não era muito boa - 'Miiister Mayer, eu ainda não viz nenhum filme. Famos esperar até que eu tenha veito um filmes.' Ele queria que eu assinasse um contrato de cinco anos. Eu não entendia aquilo.

"Enquanto eu fazia esse filme, o 'The Torrent,' e quando ele terminou, ele me chamou ao escritório dele diversas vezes para assinar os cinco anos. Eu não conseguia entender o que ele queria com aquilo. Nós nunca conversamos sobre dinheiro. Ele dizia que não poderia me patrocinar, fazer publicidade dos meus filmes e de mim se eu não assinasse os cinco anos de contrato. Eu já tinha assinado três anos, e por que eu deveria assinar novamente quando eu sequer tinha feito um filme - e depois quando eu tinha feito apenas 'The Torrent'?


Com Ricardo Cortez em 'The Torrent' (1926) (Foto: Reprodução)


"Era muito trabalho, mas eu não me importava. Eu estava no estúdio às 7h todas as manhãs e trabalhava até às 18h todas as noites. Eu ficava muito cansada. Não ia a lugar algum. Mudei-me para Santa Monica para ficar perto do oceano.

"Eu ia para casa, deitava e pensava na minha irmã, no meu irmão, na minha mãe, na minha casa, na neve na Suécia.

"Depois de 'The Torrent,' eu comecei a gravar 'The Temptress' com o Sr. Stiller. Mas," a voz dela mudou, ela silenciou por um momento. "Sr. Stiller é um artista. Ele não compreende a indústria americana. Ele sempre fez os próprios filmes na Europa, onde ele é um mestre. No nosso país o estúdio é sempre pequeno. Ele não compreende como os negócios são feitos aqui. Ele não falava inglês. Então o tiraram do filme e passaram para o Sr. Niblo.

"Ninguém sabe como isso me magoou. Eu fiquei tão infeliz que achei que não conseguiria seguir em frente. Eu não conseguia compreender bem o que queriam que eu fizesse, semana a semana, das sete às seis. Seis meses disso. Mais de 20 figurinos para experimentar repetidamente. É por isso que não ligo para roupas... tem tanta roupa nos filmes que eu não consigo pensar nelas quando não estou em um.


Em 'The Temptress' (1926) (Foto: Reprodução)


"Eu nunca faltei. Eu nunca me atrasei.

"Não é verdade que eu me neguei trabalhar e disse que iria para casa como os jornais disseram.

"Quando terminamos 'The Temptress,' eles me deram o script de 'The Flesh and the Devil' para ler. Eu não gostei da história. Eu não queria ser uma sedutora boba. Eu não vejo sentido em me vestir bem e não fazer nada além de seduzir todos os homens dos filmes.

"Sr. Mayer me chamou e disse que eu começaria imediatamente a filmagem. Minha irmã havia morrido quando eu estava filmando 'The Temptress'. Meu corpo não aguentaria muito mais. Eu estava muito cansada, doente, triste.

"Eu disse para o Sr. Mayer, 'Miiiister Mayer, eu estou morta de cansaço. Estou doente. Eu não posso fazer outro filme agora. E eu não estou feliz com este filme -'

"E eles responderam, 'Que pena. Vá provar os figurinos e se aprontar'.

'Se as pessoas estão infelizes, eu imagino que você tente deixá-las felizes. Eu estou doente', foi o que respondi.

"Eu não sou o tipo de garota que consegue simplesmente retocar a maquiagem e dizer, 'Como quiser'. Eu daria qualquer coisa para ter nascido americana e conseguido entender a linguagem e a maneira americana de lidar com os negócios.

"O que eu poderia fazer? Eu voltei para o hotel em Santa Monica e deitei para pensar. Eu achei que não conseguiria mais continuar. Eu tinha ouvido falar de empresários, então arrumei um - alguém que sabia falar inglês.

"Ele viu como eu estava doente, como eu estava cansada, 'Pobrezinha, por que não vai para casa descansar um pouco?' ele disse.

"Então eu fiquei em casa por dois dias. Foi quando ouvi falar do que diziam os jornais. 'Greta Garbo vai embora' - 'Ela é temperamental - não conseguem controlá-la'.

Eu não entendia aquilo, então fui ao meu empresário e disse, 'Talvez seja melhor voltar ao estúdio. Eu já descansei dois dias. Não vai fazer muita diferença onde eu estou, vou continuar cansada, doente, e minha irmã não vai voltar. Eu não entendo o que está acontecendo e eu vou voltar'.

"Eu voltei e não disse nada.

"E foi aí que eu realmente conheci - tirando as vezes em que o cumprimentei de passagem - John Gilbert. E era tão bom trabalhar com ele! Ele tem tanta vivacidade, personalidade, avidez. Toda manhã às nove horas ele vinha para trabalhar comigo. Ele era tão bom que eu me senti melhor; me senti um pouco mais próxima dessa América estranha.


Com John Gilbert em 'Flesh and the Devil' (1926) (Foto: Reprodução)


"Quando terminei 'The Flesh and the Devil,' eles queriam que eu fizesse 'Women Love Diamonds.' Eu não poderia trabalhar naquela história. Quatro ou cinco filmes ruins e eu estaria arruinada para o povo americano.

"Eu não sabia o que fazer. Ninguém sabia me dizer. Eu ainda não falava inglês muito bem, então fui para o hotel, sentei e esperei. Eu não sabia mais o que fazer. Queria voltar para casa, para a Suécia.

"E na manhã seguinte eles me ligaram para que eu fosse ver os sketches do filme. Foi a primeira vez que eu não fiz o que eles queriam, tirando a parte de não assinar um novo contrato quando o meu ainda era novo.

"E eu recebi uma carta dizendo que ao não ir ver os sketches eu estava me negando a trabalhar e então não seria paga. O que eu faria?

"Então um amigo muito querido disse que conhecia alguém que entenderia o meu lado e o lado dos americanos. Eu tinha um advogado para me ajudar, mas esse novo rapaz, me disseram, sabia tudo sobre estúdios e sobre filmes. Ele esteve na Europa por muito tempo e compreenderia que eu não queria confusão, só queria uma chance de fazer bons filmes. Então fui conhecer Sr. Harry Edington, e depois de conversarmos praticamente dias inteiros por mais de uma semana e notando que eu não era aquilo que os jornais diziam, ele disse que cuidaria de tudo por mim. Meus contratos, meu dinheiro, meu trabalho - tudo. Você não faz ideia do quanto isso significa para uma moça que não sabe nada desse país imenso e da maneira como funcionam os negócios nos estúdios americanos. Desde então não tive mais problemas. Porque ele compreendia tudo, os negócios do estúdio, eu e a minha maneira de negociar.

"Mas antes de contratá-lo eu fiquei em casa por sete meses sem salário. Eu não disse e nem fiz nada. E os jornais diziam que eu queria dinheiro.

"Eu fiquei muito assustada. Achava que a qualquer momento eu teria que fazer as malas e ir embora. Eu estava tão fraca que achei que iria morrer, como dizem. Mas é daquela mesma maneira de quando nos apaixonamos. Suponha que o homem que você ama faz algo que te machuca. Você acha que vai morrer; mas não morre.


(Foto: Edward Steichen)


"Então eles me ligaram e disseram que tinham um texto para mim. Eu li, e fui até eles perguntar qual seria o meu papel, eles disseram que era um pequeno. Aileen Pringle e Lew Cody pegariam os principais. Sr. Edington me disse para fazer o filme, então eu não disse nada, provei os vestidos que mandaram e estava pronta para ser coadjuvante no filme quando a senhorita Pringle disse que não o faria mais.

"Então eles me chamaram e disseram que eu era impossível, que não conseguiam me controlar. Pela primeira vez eu respondi ao Sr. Mayer. Eu disse que as roupas estavam todas prontas para mim e que eu estava preparada para fazer um papel pequeno. O que mais eles queriam de mim? Eu fiquei muito arrependida de ter respondido. Eu acho que não os entendia ainda. Tudo porque eu falava uma língua e eles outra. E os jornalistas que colocam todas as piores histórias na mídia, eles não entendem também.

"Eles disseram que queriam um novo contrato. Então Sr. Edington me arrumou um novo contrato, de cinco anos. Porque, em primeiro lugar, não era dinheiro que eu queria, dinheiro não tinha toda essa importância. Mas o contrato do Sr. Edington me pagaria mais do que quando eu cheguei aqui. Eles fizeram um desenho meu na Suécia, com a mão cheia de dólares americanos. Eles acham que eu recebo cinco mil por semana... isso é cômico.

"Agora que Sr. Edington nos ajuda a compreender uns aos outros nós estamos muito felizes.


(Foto: Edward Steichen/Reprodução)


"E isso é toda a minha história. Eu tenho vinte e dois anos, fiz dois filmes na Europa e cinco aqui. Tinha dezenove anos quando cheguei a Nova York.

"Vou voltar para a Suécia este ano. Não sei se trarei minha mãe para cá. Eu gosto de ficar sozinha quando trabalho.

"E se eu estiver trabalhando muito - eu amo a minha mãe. Veremos.

"Eu quero ficar aqui. Hollywood é o lugar para ficar se você quer fazer novos filmes. É onde existe um futuro na atuação para mim ou qualquer outra atriz.

"Mas não posso evitar, não gosto de estar em lugares com muita gente. Eu tenho alguns amigos. Sr. e Sra. Jannings. Sra. Jannings é uma mulher de verdade. Ela diz exatamente o que pensa. Sr. Jannings é um homem e tanto. E eu não quero dizer no sentido 'masculino' e 'feminino', como vocês dizem. Eu quero dizer por dentro, lá no fundo - a pessoa mesmo. Eu estou aprendendo alemão para poder conversar melhor com meus amigos, os Jannings.

"Eles queriam que eu fosse a uma festa na Mayfair. Era uma ótima festa. Mas por que eu tinha que ir? Eu não gosto de festas.

"Eu nunca sei o que fazer quando não estou trabalhando. Eu ando na charneca por muitas milhas, mas nunca tenho uma hora certa para isso. Às vezes fico na praia olhando o mar por uma ou duas horas. O que são duas horas para nós?


(Foto: Ruth Hariet Louise/Reprodução)

"Eu gosto disso. É para isso que estamos aqui.

"Não acho que as pessoas deveriam julgar umas as outras. Não dá para dizer por que uma pessoa não age como a outra. Eu não acho que uma pessoa PODE falar sobre outra. Não é sobre os próprios problemas que estão falando.

"Eu amo meu trabalho. Eu quero ser uma grande atriz. É normal. Você não quer ser muito boa no que faz? E os outros americanos?

"Quando comecei a fazer 'Anna Karenina,' o pessoal do departamento de figurinos me mandou flores. Eu fiquei tão feliz. Eu sei que em um estúdio que trabalha como uma fábrica as pessoas não podem ficar mandando flores ou fazer coisas agradáveis para você.

"Mas - isso me fez me sentir mais próxima deles.


(Foto: Ruth Hariet Louise/Reprodução)


"Amor?" Ela riu suavemente. "Claro que já me apaixonei. O amor é a primeira e a última parte da instrução de uma mulher. Como você poderia expressar o amor se nunca o sentiu? Você pode imaginar, mas não é como sentir - quem nunca se apaixonou? Eu não sou diferente dos outros. 

"Casamento? Eu já disse muitas vezes, eu não sei. Eu gosto de estar sozinha; não gosto de estar o tempo todo com outra pessoa.

"Tem tanta coisa dentro de nós que nunca poderíamos contar para outras pessoas. São as coisas que fazem sermos quem somos!

"Nossas alegrias e tristezas - e você não pode contá-las nunca, jamais. Não acho certo que tenhamos que contá-las.

"Você se inferioriza, expondo seu interior, ao contá-las.

"Na verdade não tem nada demais na minha história, como disse no começo. Eu nasci em uma casa, cresci como as outras pessoas. Achei algo em que trabalhar e tudo o que quero agora é trabalhar nisso e viajar.

"Eu tive problemas como todas as outras pessoas. O estúdio faliu enquanto eu estava na Constantinopla, mas achei outro. Sr. Stiller teve que voltar à Europa. Eu sinto muito a falta dele. Ele falava a minha língua. Eu devo tudo ao Sr. Stiller. Eu ainda não entendo tudo aqui, mas agora as coisas estão em seus lugares e estamos trabalhando juntos. Eu não gosto de confusão.


(Foto: Reprodução)



"O futuro? Não tenho planos. Depois de voltar para a Suécia, quem sabe? Meu contrato é de cinco anos, não se esqueça.

"É verdade, isso é tudo. Honestamente! Não", ela sorriu discretamente, "as cidades americanas não estão cobertas com flores, mas eu encontrei muitas flores na América.

"E é isso. Minha breve história no cinema, - da minha vida inteira até onde importa - acabou."


(Foto: Edward Steichen/Reprodução)


GRETA GARBO colocou o enorme casaco de pele "desses que usamos na Suécia". Olhou para a janela, como se quisesse se misturar aos segredos obscuros da noite. E quando ela olhou para além de mim, para um mundo que meus olhos não conseguiam ver, cresceu dentro de mim um desejo, a ambição de conquistar a amizade desta mulher. Então eu me lembrei de uma história que eu tinha esquecido.

Greta Garbo em uma das raras festas em que compareceu. Uma mulher contou uma história sobre Susan. Uma história que deixava implícito que Susan era desonesta.

"Você e a Susan não são amigas?" Greta perguntou.
"Nós somos!" A mulher respondeu rindo.
"Mas se são amigas você não poderia falar assim dela."

Vocês leram a referência que ela fez às crianças. Ela as compreende porque ela é como uma criança. Na sua simplicidade, nas suas crenças, nas suas devoções. E enquanto eu ouvia a sua história eu sabia que não poderia fazer nada além de acreditar em cada palavra do que ela dizia. Ela a contou em um inglês perfeito, exatamente como escrevi, - o inglês de uma criança que está em fase de aprendizado. E quando ela terminou eu pensei: terá a América se tornado tão complicada, tão civilizada, que hoje em dia é difícil para que nós possamos amar e acreditar nas nossas crianças?



 Publicado por Ruth Biery em Junho de 1928 na revista Photoplay. Tradução de Camila Cruz.

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1 comentários

  1. Era uma pessoa simples e trabalhar nesse mundo cinematográfico que se vende a alma não é fácil.

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Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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