Cinema e TV

Greta Garbo: o mito vive

sábado, outubro 07, 2017



Por Carlos Maximiano Motta –


Hoje em dia ir ao cinema, assistir um filme, deixou de ser um ritual, uma espécie de cerimônia religiosa. Não tem mais as cortinas que se abriam no começo do espetáculo e fechavam no final. As telas estão nuas, perderam o pudor. Não se vai mais ao cinema de chapéu, luva e bolsa (as damas), terno e gravata (os cavalheiros). Mudaram os gostos, mudaram as pessoas que vão ao cinema, até as calçadas onde elas pisavam não são mais as mesmas. E no entanto, determinados fascínios permanecem: Greta Garbo, por exemplo.

(Foto: Reprodução)

Muitos ídolos, ao abandonar a carreira, desaparecem ou são esquecidos, Garbo não. Garbo ainda vive e seu mito permanece. Ainda que tenha dito “I want to be alone” (Eu quero ficar sozinha). Na verdade essa frase foi dita no filme Grande Hotel. Na vida real o que ela disse foi “agora posso ir para casa.” Ainda existe quem passe hoje pelo nº 450 da Rua 52, em Nova York, seu antigo endereço, esperando vê-la sair, ou encontra-la em alguma loja, olhando alguma vitrine ou dando um passeio solitário próximo ao Rio Hudson, ali perto. Garbo vive! Viverá para sempre! Em 1962/63 a televisão italiana exibiu filmes dela e, nos dias em que eram apresentados, a frequência aos cinemas caía em 75 por cento. Em 1968 uma retrospectiva completa teve sua lotação esgotada dias antes de estrear.

(Foto: Reprodução)

Antes de existir o cinema, e hoje o vídeo, a arte da representação não podia ser registrada. Felizmente Greta Garbo viveu na era do cinema e quando se foi, em 1990, seus filmes permaneceram. Ainda que as novas gerações prefiram admirar um efeito especial do mago Spielberg ou as façanhas de algum lutador de caratê, Garbo viverá. Num artigo publicado nos Cahiers du Cinéma, em 1957, o crítico Barthélemy Amengual disse que Marilyn Monroe (outro mito imorredouro) “transpôs para o cinema a conquista essencial da escultura moderna: a tomada de posse do vazio.” E Greta Garbo?
Em The Spectator escreveu Isabel Quigley: “Depois de muito pensar e repensar, ainda não consegui saber se Greta Garbo era uma atriz notável ou simplesmente uma pessoa tão extraordinária a ponto de que tudo o que fizesse, inclusive representar, fosse extraordinário.” O que é Greta Garbo? Uma personalidade fora de série? Uma atriz tão excepcional que desafia qualquer interpretação? Uma ficção, um enigma, uma abstração? Seu andar, seu olhar, sua postura são únicas. Isso independe de talento de representar, de dizer um texto. Isto é personalidade e personalidade todo mundo tem. Só que não existe nenhum parâmetro para que se possa fazer comparações. Há pessoas incomparáveis e Garbo é incomparável. Parece um excesso de adjetivos mas Greta Garbo é dessas pessoas da qual só se pode dizer maravilhas. Que espécie de dom, de bênção são esses que a tornaram tão fascinante?

(Foto: Reprodução)

Quando ela fez seu primeiro filme sonorizado, isto é, filme falado como se costuma dizer, a publicidade dizia: Garbo Talkes (mesmo título de um filme inédito nos cinemas brasileiros em que Anne Bancroft interpretava uma admiradora da estrela sueca). Distinção que não coube à nenhuma outra atriz. E Anna Christie nem sequer era o primeiro “filme falado” da história do cinema! Da mesma forma, quando surgiu a comédia Ninotchka, os cartazes diziam: “Garbo ri!” Embora evidentemente não se iria pensar que Greta nunca tivesse rido antes em seus filmes. Garbo na verdade não ria, dava uma sonora gargalhada. Outras atrizes já haviam gargalhado antes, mas uma gargalhada de Greta Garbo não era como a de qualquer outra. Greta rindo ou falando era um acontecimento extraordinário. Quando aparecia fora das telas, as pessoas agiam como puras tietes, como se estivessem na presença de alguma deusa do Olimpo. Como Richard Burton, que a encontrou numa festa e pediu-lhe permissão (e conseguiu) para beijar-lhe os joelhos.

(Foto: Reprodução)

Ver Greta Garbo na tela é uma experiência não apenas física, mas também espiritual. Robert Taylor, seu galã em A Dama das Camélias, disse que Garbo pensava com os olhos, fotograficamente. Em 1931 a revista Photoplay dizia que numa época em que toda uma raça de reis morria, substituída por homens e mulheres frágeis, Garbo permanecia, sozinha, como a maior e mais solitária remanescente de uma poderosa linhagem de reis.
E rainha ela foi no filme de Roubem Mamoulian, cuja imagem final é um dos planos mais famosos e enigmáticos do cinema. Como Rainha Cristina da Suécia, partindo de navio para o exílio, ela permanecia imóvel e silenciosa na proa, o olhar fixo nalgum ponto. Mamoulian a instruiu para que, nesse momento, não pensasse ou não sentisse absolutamente nada, nem sequer piscasse, enquanto a câmera a estivesse focalizando. Ficou uma maravilha.

"Como Rainha Cristina da Suécia, partindo de navio para o exílio, ela permanecia imóvel e silenciosa na proa, o olhar fico nalgum ponto." (Foto: Reprodução)

Nem por isso Garbo deixou de interpretar plebeias: foi uma moça proletária em A Rua das Lágrimas, procurando tirar a família da miséria. Foi tanto vamp quanto mulher apaixonada e/ou submissa. Numa época mais inocente, mais romântica, Garbo heroína de Tolstoy e Alexandre Dumas Filho, para citar só alguns. Fez 27 filmes (e dois filminhos publicitários). Foi respeitavelmente casada em Ana Karenina (duas versões), Orquídeas Selvagens, O Beijo e em O Véu Pintado. Filha entregue pelo pai a um cruel fazendeiro em Susan Lenox. Espiã em A Dama Misteriosa e Mata Hari. Mulher fatal em Laranjais em Flor e em A Carne e o Diabo (punida em ambos). Atriz em Mulher Divina (inspirada em Sarah Bernhardt), bailarina em Grande Hotel (o da frase famosa). Prostituta em Ana Christie (reabilitada), sem esquecer, naturalmente, a cortesã de A Dama das Camélias.

(Foto: Reprodução)

Seus filmes da Metro (24 entre 27) podem não ter sido excepcionais. Mas Garbo era e teve bons diretores: Clarence Brown, Roubem Mamoulian, entre eles. E teve a sorte de que, caso um filme não fosse bom ou um grande sucesso (o que, mesmo com Garbo, podia acontecer), logo outro se seguia, assegurando-lhe a carreira. Ao contrário de hoje, em que muitos atores duram uma temporada, ou viram coadjuvantes de luxo.
Duas Vezes Meu foi o derradeiro filme de Garbo, mas, ironicamente, o fato dela não ter mais voltado a filmar parece ter sido mais um acidente do que uma resolução deliberada. Ela não pretenderia realmente abandonar o cinema, isso simplesmente acabou acontecendo. (Em tempo: fala-se que existe uma autobiografia dela, que será publicada agora, depois de sua morte). Foi feito depois de Ninotchka e também era uma comédia. Por acaso o assistimos numa emissão da TV norte-americana. Não é ruim, como disseram. O público parece ter ficado chocado vendo-a interpretar um filme ligeiro, que embora legitimamente sofisticado, não contém as farpas satíricas de um Ninotchka. Garbo faz-se passar por sua irmã gêmea, que na verdade não existia. Numa sequência, ela dança de maneira desinibida uma música ligeira chamada “La Chica Chaka”. Esse trecho do filme faz parte da coletânea “Isto Também era Hollywood”. Foi exibida no Festival de Cannes, 1976. O público riu várias vezes durante os diversos trechos da coletânea. Durante as cenas com Greta Garbo a plateia, como que hipnotizada, emudeceu...

(Foto: Reprodução)

Mas, o que foi, enfim, Greta Garbo? Uma dessas criaturas privilegiadas que só aparecem a cada cem anos. Não apareceu ainda nenhuma que possa se comparar à ela (fisicamente, Vanessa Redgrave, talvez). E se é mesmo certo que cada século produziu sua cota de gênios e abençoados, este nosso século 20, que está se aproximando tão mal de seu final, já produziu todos a que tinha direito.


Extraído de:
Sternheim, Alfredo; Maximiano Motta, Carlos: Greta Garbo – Biografia. Coleção Fã Clube. Nova Sampa Diretriz Editora Ltda. São Paulo, s.d.


Sobre o autor:

Carlos Maximiano Motta foi por mais de 25 anos crítico de cinema do jornal O Estado de S. Paulo, e um dos mais respeitados articulistas da imprensa brasileira.

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1 comentários

  1. Ela é muito linda eu acho que nunca vi nenhum filme em que ela esteja mas vou procurar adorei a bio.
    Beijos

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