Cinema

A batalha de Ingrid Bergman contra o câncer de mama

quinta-feira, outubro 06, 2016


Por Rafaella Britto -


Há 50 anos, temas concernentes à saúde da mulher representavam um ataque à moralidade pública. A censura e o primitivismo dos tratamentos para doenças fatais, como o câncer de mama, agravaram o sofrimento de mulheres ao redor do mundo em situação de vulnerabilidade física.
O câncer de mama é o tumor maligno que mais atinge mulheres. A doença ganhou notoriedade ao atingir famosas celebridades como a atriz Ingrid Bergman, cuja vida foi tragicamente marcada pela batalha de nove anos contra a enfermidade que culminou em sua morte.

(Foto: Reprodução)

Ingrid Bergman descobriu o caroço no seio em 1973, aos 58 anos. A musa de “Casablanca” acabara de ser escalada para o elenco de “O Assassinato no Expresso Oriente”. Em 1974, Ingrid deixava a clínica em Londres após, sob anestesia, ter recebido do médico o diagnóstico do câncer de mama.
A doença agravou-se em 1977, à época das filmagens de “Sonata de Outono”, filme de Ingmar Bergman no qual a atriz sueca desempenha uma de suas mais memoráveis interpretações. A retirada do seio direito deixou Ingrid com linfedema no braço, prejudicando sua amplitude de movimento. Em sua autobiografia, “My Story”, a atriz relata: “O médico veio e eu pude ler seu rosto como um livro aberto. Eu me lamentei por ele, pois deve ser um trabalho terrível dizer às mulheres que elas foram mutiladas”.

À época das filmagens do filme "Sonata de Outono" (Ingmar Bergman, 1977), Ingrid Bergman sofreu o agravamento do câncer (Foto: Reprodução)

Décadas após a morte de sua mãe, a atriz Isabella Rosselini veio a público pela primeira vez para revelar a angústia e o sofrimento ao qual a família foi submetida ao ver a talentosa musa, que vivera sua vida de maneira intensa, sucumbir à dor da doença. “Mamãe sofreu de câncer de mama por nove anos”, disse ao Telegraph, “e os últimos três, quando meu irmão e irmãs estiveram com ela em Londres, foram muito difíceis. O câncer se espalhou pelos gânglios linfáticos, ela tinha um tumor enorme no braço direito e estava muito triste pelo receio de não ser mais capaz de atuar”.

Ingrid Bergman ao lado das filhas Ingrid e Isabella Rosselini (Foto: Reprodução)

UMA VIDA DE RISCOS

Bem como os demais tipos de câncer, as causas do câncer de mama são incertas. O desenvolvimento da doença é compreendido a partir de fatores de risco, como o histórico familiar (mulheres com parentes em primeiro grau que tiveram a doença antes dos 50 anos são mais vulneráveis), a menstruação precoce (antes dos 11 anos), a menopausa tardia (após os 55 anos), a primeira maternidade após os 30 anos e o aumento da idade. Há, também, fatores de risco modificáveis, como o excessivo consumo de álcool.
O biógrafo Laurence Leamer descreveu Bergman como “uma mulher alcoólatra e fumante inveterada”. A atriz revelou que não praticava exercícios físicos e tomava até quatro sorvetes diariamente. “Eu faço tudo o que eles dizem que não se deve fazer”, disse. “Eu como e bebo o que eu sinto vontade. Eu acordo tarde”.

Ingrid Bergman não praticava exercícios, bebia, fumava e tomava até quatro sorvetes diariamente. Na foto, ao lado de Gregory Peck (Foto: Reprodução)

“Mamãe era muito sueca, prática e realista. Ela sempre disse a verdade, então, quando um entrevistador perguntava ‘quem é o seu designer favorito?’, ela respondia ‘eu não compro roupas de designers, são muito caras’. Todos ficavam estupefatos, era uma blasfêmia!”, revelou Isabella. “Cada um era um símbolo: o gângster, a femme fatale. Cary Grant sempre fazia Cary Grant, Jimmy Stewart sempre fazia Jimmy Stewart. Mamãe era sempre escalada para viver a ingênua, mas ela era muito aventureira e queria encontrar novas maneiras de fazer arte.”


Isabella Rosselini e Ingrid Bergman em 1971 (Foto: Reprodução/Telegraph)

INTENSIDADE DA DIVA SUECA QUEBROU BARREIRAS

Ao contrário do que temia, Ingrid Bergman continuou a atuar. Sua última aparição foi em “A Woman Called Golda” (1981), minissérie biográfica que conta a história da Primeira Ministra Golda Meir, ainda hoje a única mulher a ocupar um cargo de destaque no governo israelense.
Para viver Golda, Ingrid viajou a Israel e não disse a ninguém que estava doente. Conservando a vivacidade da juventude, a atriz passava horas no set de filmagem sendo maquiada para se transformar em “uma mulher mais conhecida por sua genialidade do que sua beleza.”

Ingrid Bergman recebe seu terceiro Oscar e o único de Melhor Atriz Coadjuvante, por "Assassinato no Expresso Oriente" (Sidney Lumet, 1974) (Foto: Reprodução)

“[O papel] Era perfeito para mamãe, que estava interessada em investigar quantas histórias ela poderia contar e quantos personagens ela era capaz de interpretar”, disse Isabella. “É incrível como ela foi capaz de fazer o que amava até o fim. Nenhuma atriz trabalhou em tantas línguas e em tantos estilos diferentes, ao redor do mundo e ao lado de grandes talentos. Ela é parte da história do cinema.”



Por “A Woman Called Golda”, Ingrid Bergman, três vezes vencedora do Oscar, foi homenageada postumamente com os prêmios Emmy e Globo de Ouro. A atriz faleceu em 29 de agosto de 1982, no dia de seu aniversário de 67 anos. Em uma de suas últimas entrevistas, declarou: “Eu gostaria de viver minha vida da maneira mais intensa, até o último momento possível. Em certa altura, você precisa fazer as pazes com as circunstâncias adversárias... você tem que se submeter. Submissão é parte da vida.”

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1 comentários

  1. Grato por apresentar a humanidade desta musa, Rafa! A humanidade - condição frágil que não diminui os espíritos geniais!

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Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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