Comportamento

A intrigante história da gargantilha choker

terça-feira, janeiro 02, 2018



Por Rafaella Britto –

Febre dos anos 1990, a “choker” voltou à moda e é sensação entre blogueiras e celebridades. Mas engana-se quem pensa que a famosa gargantilha foi invenção de Sabrina, a aprendiz de feiticeira, ou das rockers que dominaram a cena grunge. Este acessório possui uma história curiosa e, por vezes, controversa, que remonta tempos imemoriais.

ANTIGUIDADE

Segundo os curadores do Jewelry Museum of Fine Arts (MFA), em Boston, as primeiras evidências históricas da gargantilha são encontradas na Antiga Mesopotâmia. Por volta de 2500 a.C., artesãos sumérios desenvolveram os primeiros modelos de colares atados próximo ao pescoço. O material mais utilizado para a confecção destas peças era o ouro. [1]

Colar de ouro encontrado na tumba da antiga Rainha Suméria  - 2600 a.C (Foto: Reprodução)


Os egípcios confeccionavam seus acessórios em ouro e lápis lazuli, cores que, muito além de embelezarem, simbolizavam divindades e elementos místicos. Os antigos cobriam-se de joias, pois acreditavam que estas possuíam valor espiritual, servindo para a proteção contra pestes e males. Segundo os autores Bob Brier e Hoyt Hobbs no livro Daily Life of the Ancient Egyptians (1999): “Para além da função decorativa, colares serviam como amuletos. Amuletos na forma de um deus ou outro abrangiam as inúmeras linhas dos colares. Um colar em formato de hipopótamo, simbolizando a deusa Taweret, por exemplo, deveria ser usado por mulheres grávidas para chamar a proteção desta deusa da fertilidade”. [2]

Busto de Nefertiti, feito em 1345 a.C. Encontra-se atualmente em Berlim (Foto: Reprodução)


IDADE MODERNA

Evidências históricas posteriores são encontradas na Europa da década de 1530: a controversa Rainha inglesa Ana Bolena era constantemente retratada utilizando um colar de pérolas rente ao pescoço, adornado por um pingente em forma de letra “B”.

Um retrato de Ana Bolena, Rainha Consorte da Inglaterra, feito em 1530 por artista desconhecido (Foto: Reprodução)


Este adereço é visto na Revolução Francesa, particularmente entre os anos de 1793 e 1794, durante o chamado Período do Terror, no qual o governo revolucionário perseguiu e executou seus adversários. Expatriadas na Inglaterra, mulheres francesas usavam cordões de veludo nas cores preta ou vermelha em memória de amigos e familiares mortos na guilhotina. Os cordões eram também amarrados em forma de “X” sobre as costas e os ombros. 

(Foto: Blastmilk.com)

(Foto: Blastmilk.com)


Outros símbolos de luto incluíam cabelos curtíssimos, corte apelidado de à la victim[3]


Entre as francesas expatriadas, o corte de cabelo "à la victim" era um dos símbolos de luto pela morte de amigos e familiares na guilhotina (Foto: Blastmilk.com)


ERA VITORIANA

Por volta dos anos de 1860, o acessório passou a ser associado às prostitutas. O quadro Olympia (1863), de Édouard Manet, retrata uma cortesã nua trazendo no pescoço um cordão em forma de laço.

Olympia (Manet, 1863) (Foto: Reprodução)


Contudo, apesar de sua conotação moralmente duvidosa, as gargantilhas tornaram-se moda entre a aristocracia britânica, tendência lançada por Alexandra da Dinamarca, esposa do rei Eduardo VII e rainha consorte da Grã-Bretanha e Irlanda. Amante de joias, Alexandra combinava diferentes pérolas e diamantes ao mesmo tempo. Por esta época, o acessório foi apelidado de “collier du chien” (“dog collar”, ou, literalmente, “coleira”) e amplamente adotado pelas damas vitorianas.

Alexandra da Dinamarca criou moda entre a aristocracia com suas inúmeras "dog collars" (Foto: Reprodução)

Mulheres vitorianas desconhecidas, ca. 1880s (Foto: Getty Images)

Rainha Vitória (Foto: Reprodução)

Acredita-se que Alexandra tenha sido inspirada pela tradicional estética indiana, após excursionar pelo país (é válido recordar que, à época, a Índia era colônia inglesa). 

(Foto: Reprodução/Getty Images)

(Foto: Reprodução/Life Magazine)

(Foto: Reprodução/Getty Images)

O “collier du chien” também é visto nas bailarinas do pintor impressionista Edgar Degas.

Duas dançarinas no palco (Degas, 1877) (Foto: WikiArt)

SÉCULO 20

Nos anos 1920, a gargantilha foi incorporada ao estilo art-déco, como visto nas campanhas de estilistas como Chanel e Madame Agnés, realizadas pelo fotógrafo Edward Steichen.

Dorothy Smart com chapéu de Madame Agnés, 1926 (Foto: Edward Steichen/Fashionologia Historiana)

Marion Morehouse para a Chanel, 1929 (Foto: Edward Steichen/Reprodução)


Na moda popular, foi um acessório presente no look flapper (melindrosa). Exemplo disto é a atriz Olive Thomas no filme que definiu sua carreira, a comédia The Flapper (1920).  

Olive Thomas em "The Flapper" (1920) (Imagem: Tumblr)


Em 1944, nos EUA, a revista Life publicou uma reportagem acerca das gargantilhas, que, já naquela época, eram consideradas acessórios vintage. A reportagem intitulava-se “Dog Collars: meninas revivem moda aristocrática de 40 anos atrás”.

Matéria da revista Life sobre o revival das "dog collars" em 1944 (Foto: Reprodução)

Peggy Lee em 1940 (Foto: Reprodução/Billboard)

Lauren Bacall nos anos 40 (Foto: Reprodução)

Nina Simone, 1965 (Foto: Reprodução/Billboard)

Entre fins de 1960 e meados de 1970, as “chokers” foram adotadas por atrizes e rockstars.

Mick Jagger (Foto: Reprodução/Billboard)

David Bowie (Foto: Reprodução/Billboard)

Jimi Hendrix (Foto: Reprodução)

Ali MacGraw (Foto: Reprodução)

Stevie Nicks (Foto: Reprodução/Billboard)

Bianca Jagger (Foto: Reprodução)

O eterno flerte entre as “chokers” e as celebridades musicais persistiu nos anos 80.

Madonna, 1987 (Foto: Reprodução/Billboard)


Mas foi mesmo na década de 90 e início de 2000 que o acessório tornou-se febre nas passarelas e nas ruas, sendo moda entre meninos e meninas de diferentes tribos e estilos – do grunge ao pop. Surgiram variantes como a “tattoo choker”, confeccionada em plástico imitando tatuagens.

Drew Barrymore (Foto: Reprodução)

Gwen Stefani (Foto: Reprodução/Billboard)

Jared Leto (Foto: Reprodução/Billboard)

Victoria Beckham (Foto: Reprodução/Billboard)

Lady Di (Foto: Reprodução) 

Liv Tyler (Foto: Reprodução)

Sofia Coppola (Foto: Reprodução)

Melissa Joan Hart (Sabrina) (Foto: Reprodução)

Britney Spears e Christina Aguilera (Foto: Reprodução/Billboard)


Referências:

[1] Michelle Graff. The History Behind... The Choker. National Jeweler. Acesso em 1 de janeiro de 2018.

[2] Edite Parute. Choker Necklace – Incredible origins and history through the times. Fashionologia Historiana. Acesso em 1 de janeiro de 2018.

[3] The Victim’s Ball. Blastmilk. Acesso em 1 de janeiro de 2018. 

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2 comentários

  1. Maravilhoso esse artigo, miga! Eu não costumo usar muito porque sinto agonia fácil na região do pescoço, mas acho as de veludo lindíssimas .

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    1. Que bom que gostou, miga, obrigada! As de veludo são as que eu mais gosto! <3

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Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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