Cultura

[Resenha] Livro: “Anos de Chumbo”, de Letícia Magalhães

terça-feira, junho 09, 2015

Por Rafaella Britto

Recentemente, anunciei a parceria do blog com a escritora Letícia Magalhães, autora do romance “Anos de Chumbo”, o qual fui incumbida de resenhar. Amo glorificar a arte nacional, e não é todo dia que me deparo com uma obra como esta, em nosso cenário atual. “Anos de Chumbo” é uma exceção a gêneros como chick-lit e literatura fantástica, que despontam com grande êxito entre os novos autores de ficção: este livro apresenta toda a profundidade de uma jovem escritora que, penso eu, poderá ser lida futuramente com maior amadurecimento e, quem sabe, vir a conquistar uma boa acolhida e reconhecimento no universo das letras.

Foto: Reprodução



Neste livro, cuja trama se desenvolve no contexto do regime militar brasileiro, acompanhamos a saga da estudante de Direito Greta Garbo, na São Paulo de fins dos anos 1960 e começo de 1970. Apesar de ter o nome da diva hollywoodiana, a Greta Garbo de Letícia Magalhães protagoniza dramas verdadeiramente reais – e nada apetitosos: abandonada pelos pais, foi entregue aos cuidados de um tio militar rude, por quem é frequentemente violada desde a infância, e tia Estela, mulher doce e bondosa, contudo alheia a realidade política que a cerca, e cega aos abusos do marido contra a sobrinha.
Para esquecer-se de sua realidade doméstica, Greta encontra refúgio na redação do jornal clandestino “Vox Populi”. O jornal, parte do movimento de resistência, faz severas críticas ao regime vigente, e é produzido no porão de um antigo prédio. Lá, se reúnem quase diariamente Roberto, estudante de Ciências Sociais, fundador do jornal; o amigável Marcelo, estudante de Economia, homossexual, buscando novas maneiras de lutar contra o preconceito da sociedade e de sua família; a intragável Marisinha, cujo objetivo é encontrar um homem rico com quem possa se casar; e o adorável Guilherme, estudante de Direito, colega de classe de Greta, por quem nutre um secreto e ardente amor.
Paralelamente a vida de Greta, lemos a história de Fabiana, em Brasília. Menina ingênua e romântica, estudante de Psicologia na UnB, que se apaixona perdidamente por João Pedro, militante comunista. Ele, porém, parece estar muito mais interessado em obter dela informações políticas, sobretudo depois de descobrir que Fabiana é filha de um chefe de gabinete de um dos mais importantes ministros do período.  
A partir destes epicentros, desenvolve-se uma larga trama que, em dado momento, faz com que as duas personagens, Greta e Fabiana, coexistam e sirvam como instrumento de consolo uma a outra.
Em se tratando de um romance contextualizado no mais obscuro período da recente história nacional, a primeira pergunta que se costuma fazer é: lerei um romance ou uma análise política/histórica?
A ditadura militar (período da história brasileira que se estende de 1964 a 1984) é o pano de fundo através do qual ocorrem as ações das personagens, porém não é necessário ser um historiador ou profundo conhecedor de nomes e acontecimentos para situar-se na narrativa: Letícia demonstra domínio daquilo a que se propõe, e possui uma escrita simples, fluida, isenta de palavras exorbitantes, sem que seja preciso recorrer constantemente ao uso de dicionários. Arrisco dizer que é um romance escrito por uma jovem e para jovens. O texto, também, traça um panorama cultural do período através de referências como a ascensão da televisão nos lares, e o cinema – sendo a própria autora uma crítica de cinema clássico.
Os capítulos são rápidos e concisos. No entanto, acredito eu, a fragilidade da narrativa encontra-se na ausência de pormenores: em certas ocasiões, senti que as ações, por falta de maior amplitude dos aspectos psicológicos das personagens, não alcançam o impacto devido. O enredo atinge seu clímax nas últimas páginas.
A personagem Fabiana, cuja história pretende-se contar paralelamente a história de Greta, permanece em segundo plano, tendo somente raras aparições ao longo do texto. Por este motivo, pode-se dizer que o livro é sobre Greta – por sinal, uma personagem fascinante. Penso, também, que a figura do tio, militar grosseiro, machista e violento, poderia ter sido construída de maneira a torná-lo ainda mais disforme.
Entretanto, estes pequenos pontos não inibem o encanto da narrativa, digna de cinema dramático: o personagem Guilherme é tão doce que – preciso dizer – estou perdidamente apaixonada! Senti vontade de empurrá-lo de uma vez para os braços de Greta. Embora sendo um coadjuvante, Guilherme é o grande herói desta história, fazendo de seu incondicional amor pela musa triste e enigmática um ideal para toda a vida.
Ao longo do livro, percebi que adentrava a cada vez mais uma escrita feminina que somente uma autora jovem e conhecedora da alma de mulher poderia produzir. 
Ao final, tudo o que fiz foi silenciar e exclamar “que lindo!” no pensamento. Como dito alguns parágrafos acima, estamos diante de uma jovem escritora que, aperfeiçoando sua escrita e fazendo-a mais madura, poderá ter ainda muito mais a nos dizer. 


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