Cultura

A influência de Lampião na moda

quinta-feira, agosto 13, 2015

Por Rafaella Britto

(Foto: Reprodução)

Para uns, herói, para outros, bandido sanguinolento. Figura ambígua, Lampião, o “Rei do Cangaço”, está presente no imaginário popular nordestino. Não por acaso, Lampião é considerado um dos primeiros estilistas brasileiros de renome.

Lampião costura em máquina Singer - (Foto: Reprodução/Benjamin Abrahão, 1936)

Há controvérsias acerca da data de seu nascimento: a literatura de cordel cita a data contida em sua Certidão de Batismo, 4 de junho de 1898; outros instituíram seu nascimento em 7 de julho (Dia do Xaxado) de 1897; mas, em entrevista ao escritor Leonardo Mota, em Juazeiro do Norte, em 1926, Virgulino Ferreira da Silva afirmou que a data de seu nascimento é 12 de fevereiro de 1900.

(Foto: Reprodução)





Nascido na fazenda de seus pais em Vila Bela (atual município de Serra Talhada), Pernambuco, era o terceiro filho de oito irmãos. Cedo demonstrou habilidades multifacetadas: cuidava do gado e, aos 14 anos, era considerado mestre no ofício da alfaiataria e do artesanato de couro. Diferentemente da grande maioria dos habitantes de Vila Bela, Virgulino era alfabetizado.
Trabalhou como artesão até os 21 anos, antes de jurar vingança ao assassinato de seus pais e tornar-se cangaceiro.
Cangaço é a denominação da luta armada, surgida da pobreza e ausência de perspectivas sociais, no Sertão nordestino. Proeminente do século XVIII a primeira metade do século XX, o Cangaço era constituído por bandos justiceiros, munidos de um elaborado aparato bélico.
Alguns bandos atuavam de maneira política como expressão de poder de proprietários de terras; outros, na guarda de propriedades rurais. Já os bandos independentes (como o bando de Lampião) possuíam características de banditismo: cometiam atrocidades, invadiam cidades, estupravam coletivamente, arrancavam olhos, sequestravam crianças, assaltavam propriedades e estabelecimentos.
Acredita-se que o apelido Lampião tenha se dado porque, quando Virgulino matava alguém, a ponta do seu fuzil brilhava como um lampião.
Até o ano de 1928, não era permitida a presença de mulheres no bando. Somente após conhecer Maria Bonita, sua companheira, o cangaceiro mudou de ideia. Depois de Maria Bonita, outras mulheres passaram a integrar o Cangaço.
As mulheres participavam significativamente de ações do grupo, porém não tinham função específica. Não cozinhavam. E, da mesma maneira, não costuravam, pois o bando possuía exímios costureiros, como o cangaceiro Luiz Pedro.
Aliás, a habilidade com a agulha era um dos critérios utilizados por Lampião na hora de integrar novos membros ao bando. Após Lampião e seus companheiros serem degolados em ação militar, as cabeças foram expostas ao lado de importantes signos para o grupo, dentre eles, duas máquinas de costura Singer.

Cabeças dos cangaceiros, dentre eles Lampião e Maria Bonita, expostas na escadaria da Prefeitura do município de Piranhas, Alagoas, em 1938. Ao fundo, duas máquinas de costura Singer pertencentes ao grupo. - (Foto: Reprodução)

A vaidade granjeou ao cruel “Rei do Cangaço” o título de metrossexual, e suas preferências estéticas influenciavam o comportamento e o visual de seus discípulos: contra o calor da caatinga, os cangaceiros costumavam tomar verdadeiros banhos de perfume dos quais não escapavam nem os cavalos, e Lampião tinha preferência pelos melhores perfumes franceses, roubados durante assaltos a casas ricas.
Lampião utilizou-se de suas habilidades como alfaiate e artesão na confecção do “liforme” (uniforme) de cangaceiro: o casaco, idealizado por Lampião, era confeccionado na cor azul acinzentado, a favorita do líder. Especula-se que Lampião teria sido inspirado a criar o chapéu de couro de abas quebradas, ornamentado com bordados, crucifixos e estrelas, após ler uma biografia de Napoleão Bonaparte.

Lampião - (Foto: Reprodução/Livro: "Lampião... era o cavalo do tempo atrás da besta da vida - Uma Saga em Quadrinhos por Klévisson")

Os cabelos eram compridos. Virgulino deixou-os crescer em sinal de luto pela morte de seu irmão, e nunca mais os cortou. Os lenços coloridos, da mais pura seda inglesa, contrastavam com o tom acinzentado das roupas.
O modelo de calça mais utilizado era o culote, com cintura alta, pois facilitava os movimentos e permitia agilidade na hora de correr. As perneiras eram feitas em couro, enfeitadas com ilhoses e fechadas por uma fivela nas canelas. Foi projetada para proteger de espinhos durante as andanças pelos áridos planaltos do Sertão.
Os inúmeros bolsos conferiam sentido utilitário à indumentária, e eram feitos para guardar utensílios de grande importância, como o cantil. Os cinturões, ricamente bordados, eram idealizados para guardar o punhal, apetrecho bélico cuja lâmina chegava a medir 80 cm. O cabo do punhal era ornamentado com anéis de ouro. No “liforme” de cangaceiro, ilhoses eram usados em abundância.
As alpercatas, confeccionadas em couro e sob encomenda, pelo pai do artesão Espedito Seleiro, possuíam fivelas e rabichos reguláveis, e os dedos eram protegidos por ilhoses e linguetas. Para despistar a polícia, adaptavam-nas com o calcanhar para frente.

Corisco, o "Diabo Loiro" - (Foto: Reprodução)

Dadá, Corisco e Lampião - (Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

As bolsas (também conhecidas como bornais) remetem à presença da mulher no Cangaço: eram confeccionadas, na grande maioria das vezes, por Dadá, companheira de Corisco, o “Diabo Loiro” (o segundo mais famoso do bando, depois de Lampião). Em entrevista ao historiador Frederico Pernambucano de Mello, Manoel Dantas, um dos subchefes de Lampião, afirmou que o cangaceiro e sua mulher, Maria Bonita, desenhavam croquis de ilustrações para serem bordadas nos bornais e nas roupas. Os bornais eram trabalhados em motivos florais e arabescos.


Vestido e bornal de Maria Bonita - (Foto: Reprodução)


Lampião costura em máquina Singer - (Foto: Reprodução/Benjamin Abrahão, 1936)

Maria Bonita - (Foto: Reprodução)

Outras mulheres no Cangaço: Inhacinha, do bando do cangaceiro Gato - (Foto: Reprodução)

Nestas gravações, realizadas entre 1936 e 1937, o fotógrafo Benjamin Abrahão capta preciosos registros de Lampião e seu bando, em combates e intimidades. Em um dos momentos, uma das mulheres do bando aparece costurando em uma das máquinas Singer do grupo. Em outro momento, Maria Bonita enfeita-se com inúmeros colares e sorri para a câmera.


Na década de 1970, a estilista Zuzu Angel apropriou-se da estética do Cangaço para a criação de sua moda genuinamente brasileira. 

Criações de Zuzu Angel - Década de 1970 - (Foto: Reprodução)

Na atualidade, o artesão cearense Espedito Seleiro, inspirado pelas histórias de seu pai (vaqueiro e seleiro, criador das alpercatas de Lampião e Maria Bonita), recria a estética do Cangaço: mestre no artesanato de couro, suas bolsas e sandálias tornaram-se artigos de passarela, exposição e cinema (é ele quem assina as peças de Marcos Palmeira no filme "O Homem que Desafiou o Diabo").


Sandálias Espedito Seleiro - (Foto: Reprodução)

Espedito Seleiro - (Foto: Reprodução)

O estilista Ronaldo Fraga, engajado na promoção do pensamento de moda como cultura e identidade, inspira-se nos sertões e manifestações artísticas nacionais: em seu desfile da coleção de Inverno 2014, apresentado na SPFW, predominam peças em couro e tricô, produzidas artesanalmente. A estética de Lampião é recriada em cinturões de Érika Marent, bolsas de Rogério Lima, sapatos de sola quadrada e lenços. Na cenografia, cactos gigantes de Renato Imbroisi. 


Ronaldo Fraga/Inverno 2014 - SPFW - (Foto: Reprodução)

Ronaldo Fraga/Inverno 2014 - SPFW - (Foto: Reprodução)

Ronaldo Fraga/Inverno 2014 - SPFW - (Foto: Reprodução)

Ronaldo Fraga/Inverno 2014 - SPFW - (Foto: Reprodução)


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6 comentários

  1. Que maravilhaaa amei! Observando cada detalhe, maravilha este vídeo, e como eu nunca tinha notado estas máquinas na foto da escadaria? rsrs que demais! parabéns!

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  2. Maravilhoso post Rafa.

    As roupas do Cangaço sempre me chamaram a atenção, gosto da utilização do couro na composição dos acessórios e sandálias, as bolsas dispensam comentários porque são lindas demais (queria várias) e os lenços são puro luxo. Achei bacana também as inspirações que fizeram, achei aquele vestido da Zuzu (o primeiro), muito bonito, usaria sem dúvidas. Uma coisa que me chama a atenção é que eles conseguem misturar as cores sóbrias com elementos coloridos e alegres, que remetem muito o ar do nordeste.

    Excelente post, sempre interessante saber mais sobre a moda tipicamente brasileira.

    Beijoss

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    1. A moda do Cangaço é sonho de consumo! Fico feliz que tenha gostado, Gabi!

      Beijos,
      Rafa.

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  3. Olha!!! Que espetáculo...tudo muito interessante e bonito. Parabéns pelo post. Descobri seu blog lá no Top blog 2015.
    Bjs

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    1. Que maravilha, Sandra! Muito obrigada, fico feliz que tenha gostado!

      Bjs!

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Sobre

Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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