Comportamento

As origens do k-pop e da moderna moda jovem coreana

terça-feira, março 15, 2016



Por Rafaella Britto -



A cada dia, o k-pop conquista admiradores ao redor do mundo. O gênero alcançou maior notoriedade após a febre “Gangnam Style”, single de 2012 do cantor PSY. O termo k-pop (abreviação de ‘korean pop’) designa o moderno estilo de música popular coreana, caracterizado pela junção de elementos da música eletrônica, rock, balada, hip-hop e R&B. O k-pop, como conhecemos nos dias atuais, surgiu na década de 1990, porém somente no fim da década de 2000, com o boom da era digital, tornou-se um fenômeno global. Ultrapassando as barreiras do idioma, a Onda Coreana (Hallyu) domina a nova cultura jovem mundial.

As origens e transformações da música popular coreana


The Kim Sisters, as precursoras do k-pop, clicadas no Edgewater Hotel Beach, em Chicago, 1961 (Foto: KoreAM Journal)

A música popular coreana possui suas origens no século 19, quando missionários protestantes norte-americanos, de passagem pela Coreia, ensinaram canções britânicas à população. No início do século 20, sob influência do Cristianismo, os compositores japoneses e coreanos fundiram elementos de sua música tradicional ao Gospel trazido pelos cristãos nos anos 1870. Este gênero foi chamado Enka, no Japão, e Trot, na Coreia. Inicialmente, o Trot era conhecido pelo nome yuhaeng changga (canção popular), e muitas de suas canções eram consideradas formas de protesto contra a opressão da ocupação japonesa (1910 – 1945).

Fotografia tirada em Seoul, entre 1898 e 1900, mostra o princípio da ocidentalização da cultura coreana: norte-americanos posam em frente a um trólebus, uma das inovações trazidas pelos ocidentais aos coreanos (Foto: Burton Holmes)

Acredita-se que o primeiro álbum “pop” coreano tenha sido lançado em 1925: “Yi Pungjin Sewol”, dos artistas Park Chae-seon e Lee Ryu-saek, continha canções traduzidas do japonês. Nesta época de ocidentalização da cultura asiática, os tradicionais trajes coreanos, como o hanbok, gradualmente cederam lugar aos trajes ocidentais, conforme a moda.

1910: a influência da moda ocidental na cultura coreana durante os primeiros anos da ocupação japonesa (Foto: Reprodução)

1930: um grupo de mulheres posa para uma fotografia. Duas delas vestem cloches, cortes de cabelo à la garçonne e longos casacos - a última moda do Ocidente -, enquanto as outras vestem o hanbok, tradicional traje coreano (Foto: Reprodução)

1930: noivo e noiva posam para foto no dia de seu casamento. Ele veste trajes militares em estilo europeu, e ela um vestido acetinado de corte reto, a moda do Ocidente nos anos 1930 (Foto: Reprodução)

Após a divisão da Coreia, ocorreu fim da ocupação japonesa. Não mais vivendo sob o regime imperialista dos colonizadores japoneses, os sul-coreanos experimentaram relativa liberdade nos primeiros anos pós-Segunda Guerra Mundial, o que impulsionou a criação de bares e clubes noturnos onde eram executadas músicas ocidentais. Após a Guerra da Coreia (1950 – 1953), as tropas norte-americanas permaneceram para proteção do território. Os EUA enviaram artistas no intuito de entreter os soldados americanos na Coreia. As figuras de Louis Armstrong e Marilyn Monroe causaram frisson e atraíram considerável atenção do povo nativo. 

Marilyn Monroe canta para soldados norte-americanos na Coreia, 1954 (Foto: Reprodução)

A popularização dos meios de comunicação, como o rádio e a televisão, mudariam a história da música popular coreana: nos anos 1960, as Kim Sisters tornaram-se as primeiras artistas coreanas a conquistarem sucesso internacional. O grupo, formado pelas irmãs Mia, Sue e Aija, excursionou por países como Vietnã e EUA. Após inúmeras apresentações em Las Vegas, as irmãs partiram para a televisão, e apresentaram-se nos programas de Ed Sullivan e Dean Martin. As Kim Sisters são as precursoras das famosas girlbands do k-pop.


Durante os anos 1960 e 70, o governo do presidente Park-chung-hee impôs restrições à maneira de vestir das jovens: eram proibidas as saias que medissem 20 centímetros ou mais acima dos joelhos, pois eram consideradas "indecentes".

Anos 1970: policial verifica a medida da saia de uma jovem. O governo autoritário do presidente Park-chung-hee proibiu saias que medissem 20 cm ou mais acima dos joelhos, pois eram consideradas "indecentes" (Foto: Sejong Center) 

A moda jovem coreana dessa época foi ditada pela estilista Nora Noh, considerada “a primeira designer de moda da Coreia do Sul”. Em 1947, aos 19 anos, Nora viajou aos EUA, onde se aprimorou na arte da costura e criação de moda. Dois anos depois, de volta à sua terra natal, fundou sua Maison de luxo House of Nora Noh. Em 1956, realizou o primeiro desfile de moda da Coreia.


Seoul, 1956: primeiro desfile de moda da Coreia do Sul, realizado no Bando Hotel, pela estilista Nora Noh (Foto: IFWA

Seoul, 1956: primeiro desfile de moda da Coreia do Sul, realizado no Bando Hotel pela estilista Nora Noh (Foto: IFWA)

Veja raras filmagens do histórico desfile:


Ao trazer inovações da moda americana, Nora traduziu os desejos da nova mulher coreana, interessada em libertar-se de velhos valores e incorporar os ideais ocidentais ao seu estilo de vida. Nora vestiu atrizes, modelos e cantoras em minissaias e pantalonas.


A modelo Yoon Book-hee clicada em ensaio vestindo minissaia de Nora Noh, nos anos 60 (Foto: IFWA)

O duo vocal Pearl Sisters vestindo pantalonas de Nora Noh, anos anos 70 (Foto: IFWA)

Modelos posam com criações de Nora Noh, 1974 (Foto: Reprodução)

Em 1979, sua grife adentrou o mercado de moda norte-americano, e suas peças apareceram nas capas de edições da Vogue e Harper’s Bazaar. A moda de Nora contribuiu significativamente para a construção da história cultural da Coreia do Sul. “Através das roupas, quero mudar a maneira como as mulheres pensam e como se realizam, e trazer o brilho de sua autoconfiança”, declarou a estilista. Hoje, a marca Nora Noh está sob direção criativa de Kumra Chung.


Criação de Nora Noh na capa de edição de 1985 da Vogue EUA (Foto: IFWA)

O flower-power ultrapassou fronteiras: influenciado por John Lennon, Bob Dylan e Leonard Cohen, o roqueiro Han Dae-soo, radicado nos EUA, lançou a canção “Mul Jom Juso” (em inglês, “Give me Water”), hino da juventude coreana dos anos 1970.


  

Em 1980, a música pop coreana viveu seu período de baladas românticas: atualmente, a estética 80’s, marcada pelos cabelos volumosos, ombreiras e peças em cores neon, é revisitada por grupos como BIGBANG e 2NE1. Expoente da balada romântica nos anos 1980 é a cantora Nami. Confira um de seus sucessos:




O estrondoso sucesso da boyband Seo Taiji & Boys, e, posteriormente, outros grupos, no início dos anos 1990, marca o alvorecer do sucesso do k-pop: data desta época a fundação das mais importantes produtoras musicais da Coreia do Sul, como YG Entertainment, DSP Media, entre outras. Incorporando elementos do rap e estilos da música jovem americana, o k-pop anos 90 já moldava sua identidade colorida, alegre e dançante, que se faria notável a partir dos anos finais da década seguinte.


Seo Taiji & Boys, sucesso dos anos 90, considerada a primeira boyband de k-pop (Foto: Reprodução)

Atualidades

Hoje, o termo k-pop designa mais do que um gênero musical popular entre adolescentes: designa a expressão de um efervescente momento cultural na história da Coreia do Sul; um estilo de coreografia, uma moda, um ideal de beleza. 

A beleza, por sinal, é uma preocupação constante entre a nova geração coreana: a cada dia, cresce o número de jovens que realizam cirurgias plásticas no intuito de alargar os olhos – as chamadas cirurgias de “ocidentalização das pálpebras”. A face da nova juventude sul-coreana desvencilha-se do modelo austero tradicional, e expressa-se através da moda colorida de estilistas como Ha Sang Beg, autor do guarda-roupa do grupo SHINee.


Membros da boyband SHINee vestem criação de Ha Sang Beg, 2013 (Foto: Reprodução)

A Coreia do Sul é um caldeirão de estilos: as garotas vestem candy colors, estampas florais, laços, babados, saias rodadas em tecidos fluidos e os atemporais vestidos tubinhos de modelagem sessentinha; ou preferem o estilo urbano, marcado pelas sopreposições, moletons, botas, bonés, sneakers e peças oversizedPara os garotos, a moda é o “dândi casual” – cardigãs, casacos, blazers, sapatos oxfords e calças ajustadas ao corpo; alguns optam pelo casual simples, composto por malhas, t-shirts e jaquetas. 

Referências retrôs na atual moda jovem americana (Fotomontagem/Reprodução)


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6 comentários

  1. Post incrivel! Escuto kpop desde 2008 e muito desse post eu não sabia! Parabéns pelo trabalho! Beijos!

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  2. Não curto K-Pop, mas esse post está tão maravilhoso! Fiquei bastante interessada no trabalho da Nora.Amo conhecer estilistas novas *-*, sempre bom aumentar o acervo de referências.

    Beijoss, Rainha!

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    1. Eu curtia bem mais quando tinha meus 15, 16 anos... mas ainda conservo uma paixonitezinha por Shinee e Super Junior. ♥ Nora é maravilhosa, você precisa conhecer o trabalho dela! Beijos, Queen!

      Rafa

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  3. Bela matéria Rafaella! Super interessante o conteúdo, em breve também irei fazer uma matéria sobre o K-POP, abraços.

    www.woodtv.com.br

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Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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