Por Rafaella Britto – Adaptado de uma
série de artigos originalmente publicados no site Arte Ref –
Há 40 mil anos, foram criados os primeiros pigmentos.
Combinando carvão queimado, gordura animal e solo, os artistas criaram uma
paleta básica de cinco cores: amarelo, vermelho, preto e branco. As
experimentações e a criação de novos pigmentos – como o azul, roxo, verde e
amarelo – deram-se através dos diversos movimentos da história da arte, da
Renascença ao Dadaísmo. Acompanhe as cores e seus significados ao longo dos tempos.
VERMELHO: UM DOS MAIS ANTIGOS PIGMENTOS AINDA EM USO
Empregado pela primeira vez nas
paredes das cavernas pré-históricas, o vermelho, como apontam achados
arqueológicos em regiões da China e África do Sul, era utilizado tanto para
fins estéticos, para pintar os corpos, como religiosos, simbolizando o sangue
em oferenda aos mortos.
Durante o período Neolítico, o
pigmento vermelho passou a ser extraído da cochonilha, inseto mais comumente
encontrado em árvores da região Mediterrânea. Os antigos denominavam a cor
vermelha de escarlate. A tonalidade mais utilizada era o ocre, empregada,
também, em itens de louça, estatuaria e decoração.
Para os egípcios, a cor vermelha
representava a vida, a saúde e a vitória, e, por esta razão, era frequentemente
utilizada para pintar os corpos durante celebrações religiosas. As mulheres
egípcias também utilizavam o corante vermelho para pintar os lábios e as faces.
Entre os povos maias, asiáticos e
europeus, o vermelho simbolizava a majestade e a autoridade dos impérios. Durante
a Era Cristã, os trajes sacerdotais passaram a ser vermelhos, simbolizando o
sangue de Cristo.
Entre os séculos 16 e 17, o pigmento
vermelho mais popular continuou a ser extraído da cochonilha. Segundo a
antropóloga e historiadora Victoria Finlay, no livro A Brilliant History of Color in Art,
o corante cochonilha, produzido por indígenas, tornou-se o terceiro produto em
valor exportado da América do Sul, durante o período colonial – atrás somente
do ouro e da prata. Atualmente, o corante cochonilha ainda é utilizado na
produção de batons e esmaltes.
Pintores como Raphael, Rembrandt,
Rubens e, posteriormente, Van Gogh, usavam o vermelho para acentuar a
intensidade de suas obras. Em carta ao seu irmão Theo, em 1888, Vincent Van
Gogh descreve a pintura O
Café À Noite na Place Lamartine: “Busquei expressar com vermelho e
verde as terríveis paixões humanas. O salão é vermelho sangue e amarelo pálido,
com uma mesa de bilhar verde no centro, e quatro lâmpadas de amarelo limão, com
nuances de laranja e verde. É uma batalha e uma antítese dos mais diferentes
vermelhos e verdes.” [1]
ROXO: UMA COR NOBRE
O roxo surge pela primeira vez nas
cavernas Neolíticas. O pigmento, produzido a partir de minerais como o hematita
e o magnésio, era utilizado para retratar figuras de animais, como os cavalos
malhados encontrados na caverna de Pech Merle, na França.
É na Antiguidade, entre os povos
fenícios, que o roxo adquire valor nobre: o pigmento, chamado púrpura de tíria,
era extraído dos caramujos marinhos. A cor distinguia os cidadãos de altas
classes e era amplamente valorizada por não desbotar e tornar-se mais intensa e
brilhante quando exposta ao sol. As leis suntuárias proibiam o uso da cor pelos
cidadãos comuns e a produção de animais que forneciam a tinta era rigorosamente
controlada pelo Império Bizantino.
Em 1464 foi
decretado pelo Papa Paulo II que a cor púrpura de tíria não deveria mais ser
utilizada pelos sacerdotes. Assim, bispos e arcebispos adotaram o vermelho,
simbolizando o sangue de Cristo, e o púrpura de tíria tornou-se comum entre
intelectuais.
Entre os séculos 18
e 19, o roxo – especialmente a tonalidade violeta -, devido ao alto custo de
sua produção, era ainda uma cor da aristocracia. Membros da alta-sociedade,
como a Imperatriz Catarina da Rússia, eram frequentemente retratados em trajes
púrpuras ou violetas. A cor era uma dentre as favoritas dos pintores
pré-Rafaelitas, que utilizavam-na para criar cenas românticas.
Artistas
impressionistas como Claude Monet nutriam grande afeição pela tonalidade
violeta. Críticos e historiadores a apontarem este período da história da arte
como “violettomania”. “Eu finalmente descobri a verdadeira cor da atmosfera”,
disse Monet. “É violeta. O ar fresco é violeta.”
Posteriormente, o
violeta tornou-se a cor-símbolo do movimento sufragista, pertencente à Primeira
Onda do Feminismo.
PRETO:
DO LUTO AO LUXO
O preto é um dos mais antigos
pigmentos existentes. Inicialmente extraído do carvão ou ossos queimados, era
amplamente utilizado pelos povos paleolíticos em pinturas nas cavernas.
Para os antigos egípcios, era a cor
da fertilidade e simbolizava o deus Anúbis, que assumia a forma de um
chacal-de-dorso-negro e protegia dos males e da morte.
Entre os gregos, o
preto possuía diferentes significados: ao mesmo tempo em que representava as
trevas e o submundo, era uma das cores mais utilizadas pelos artistas, como
revelam as cerâmicas trabalhadas em uma técnica bastante particular. As peças
poderiam ser decoradas com figuras de pele preta sobre um fundo alaranjado, ou,
ao contrário, figuras de pele alaranjada sobre um fundo preto.
Na Idade Média, a
cor era comumente associada aos males e ao inferno. São frequentes nas artes
medievais as representações do diabo com forma humana e asas e pele negras.
Ainda assim, era a cor usada pelos monges da Ordem
Beneditina como
sinal de penitência.
Entre os séculos 14
e 15, a produção do pigmento atingiu alta qualidade e o preto passou a ser
considerado uma cor nobre. Em fins do século 16, a cor preta era usada por
quase todos os monarcas da Europa. Foi também a cor do Puritanismo e da Reforma
Protestante, que requeria roupas simples, sóbrias e discretas. Teólogos como João Calvino e Filipe
Melâncton desaprovavam
as ricas cores e decorações dos interiores das igrejas católicas, consideradas
por eles como ostensivas e distantes dos valores da humildade e do sacrifício.
Já entre os séculos
18 e 19, com o advento da Revolução Industrial, o terno na cor preta tornou-se
a marca do homem ocidental. Artistas como Renoir, Manet, Van Gogh e Doré utilizavam preto para criar efeito dramático em
suas obras. Alguns, entretanto, rejeitavam que o preto fosse, de fato, uma cor.
Confrontado por esta ideia, Renoir replicou: “O que te faz pensar assim? Preto
é a rainha das cores. Sempre detestei o azul prussiano. Tentei substituir o
preto por uma mistura de vermelho e azul, mas sempre volto ao preto.” [2] Já Gauguin tinha uma
opinião negativa: “Rejeite o preto e aquela mistura de preto e branco que
chamam de cinza. Nada é preto, nada é cinza.” [3]
O preto atingiria o
status de cor da moda nos anos 1920, quando Coco Chanel introduziu
o conceito do “pretinho básico”: um único vestido preto serve para as mais
diversas ocasiões, dependendo somente da combinação de acessórios. O conceito
tornou-se popular na década de 60, após a fama do vestido vestido preto criado
por Givenchy para Audrey
Hepburn no
filme Bonequinha
de Luxo (1961) (leia mais sobre aqui e aqui).
BRANCO:
UMA COR E MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS
O branco era um dos pigmentos mais
utilizados pelos povos pré-históricos. Pinturas em cavernas paleolíticas,
datadas de 30 mil anos A.C., mostram que o pigmento, feito de cálcio e giz,
servia como pano de fundo ou mesmo para realçar as figuras retratadas.
No Egito, o branco estava associado
à Isis – na mitologia egípcia, a deusa do amor. Por esta razão, os sacerdotes
de Isis vestiam-se apenas de linho branco, tecido usado, também, para embalar
múmias. Para os antigos gregos, o branco representava o leite materno, que
nutria o deus Zeus e todos os seres viventes.
Na Era Cristã, o branco simbolizava
a paz, a pureza, a castidade, a virtude e o sacrifício, e tornou-se a cor
oficial do Papa. Simbolizava, também, a transfiguração de Jesus, como descrito
no evangelho de Mateus 17:2: “Foi transfigurado diante deles; o seu rosto
resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz.”
Até o século 16, era uma cor de luto
entre as viúvas da aristocracia.
Entre os séculos 18
e 19, o branco adornava os interiores dos templos, mostrando o poder e a
soberania da Igreja Católica.
A cor possui
diferentes significados para culturas ao redor do mundo: para os candomblistas,
judeus e muçulmanos, é a cor da paz e da purificação; para os hinduístas,
representa status social; para os budistas – e também outras culturas
religiosas da Ásia -, é uma cor de luto.
AMARELO:
A COR DO NASCER DO SOL
O amarelo é um dos mais antigos
pigmentos da história da arte. Inicialmente, era produzido a partir da argila,
e muito utilizado pelos povos paleolíticos, como mostram as figuras encontradas nas paredes da caverna de Lascaux, na França. Estima-se que uma das mais
famosas figuras da caverna de Lascaux, um cavalo colorido em amarelo ocre,
tenha cerca de 17.300 anos.
Para os antigos egípcios e romanos,
o amarelo estava, semelhantemente ao azul, associado à riqueza e acreditava-se
que as peles e ossos dos deuses eram feitos de ouro. O amarelo é frequente nas
tumbas egípcias e nas artes eróticas dos murais de Pompéia.
A tradição medieval
afirma que o discípulo Judas
Iscariotes, ao trair seu mestre, Jesus Cristo, vestia uma toga amarela – ainda que a Bíblia não
descreva a cor de seu traje. Assim, o amarelo passou a ser associado à heresia
e inveja, e servia para distinguir cidadãos não-cristãos (em especial, judeus).
Esta associação perdurou ao longo da Renascença e retornou posteriormente, no
século 20, quando os judeus da Alemanha nazista tiveram a Estrela de Davi
amarela como distintivo.
Entre os séculos 18
e 19, o pigmento amarelo passou a ser produzido utilizando arsênio, urina de
vaca e outras substâncias. A cor estava entre as favoritas dos pintores
românticos como Jean-Honoré
Fragonard e William Turner.
Vincent Van Gogh nutria uma
particular afeição pela cor amarela. Em 1888, o pintor escreveu a sua irmã:
“Agora estamos tendo um belo calor, um tempo sem vento que é benéfico para
mim. O sol, uma luz que, por falta de uma palavra melhor, posso chamar de
amarelo, amarelo brilhante, ouro pálido. Que lindo é o amarelo!” [4]
VERDE:
UMA COR VENENOSA
Não há traços de pigmento verde nas
pinturas rupestres de cavernas pré-históricas. Entretanto, os povos neolíticos
do norte da Europa extraíam o pigmento da folha da árvore de vidoeiro para o
tingimento de roupas. Cerâmicas pré-históricas apresentam pinturas em verde em
tonalidades mais próximas do marrom, porém não há evidências de como o pigmento
era produzido.
No Antigo Egito, o verde estava
associado ao renascimento e a regeneração. Não raro, divindades eram retratadas
tendo a pele desta cor.
Na Renascença e
Idade Média, as classes sociais eram distinguidas pela cor: cinza e marrom eram
cores usadas pelos camponeses; o vermelho era a cor da nobreza; e o verde era
utilizado por comerciantes, banqueiros e pequeno-burgueses. Assim, sugere-se,
pela cor da roupa de Mona Lisa (1503-1517), que ela pertencesse à classe dos comerciantes. A noiva retratada na pintura O Casamento de Arnolfini (1434), de Jan van Eyck, também veste verde.
A partir do século 18, o verde
passou a ser considerado uma cor venenosa: em 1775, o químico sueco Carl
Wilhelm Scheele criou um pigmento conhecido como verde Scheele, produzido com
arsênio tóxico. O corante foi popular durante a Era Vitoriana, embora muitos
acreditassem que fosse uma cor perigosa para os artistas. Alguns atribuem a
causa da morte de Napoleão Bonaparte, em 1821, ao veneno contido nos papéis de
parede verde Scheele que decoravam seu quarto.
Posteriormente, no século 19, foi
criado outro pigmento – conhecido como verde Paris – com o qual os pintores
impressionistas criaram suas paisagens pinceladas. O corante, porém, também era
tóxico, e foi apontado como a causa da diabete de Cézanne e a cegueira de
Monet.
AZUL: UMA COR TÃO CARA QUANTO O OURO
No período Medieval, a Virgem Maria
era frequentemente retratada vestida em um manto azul. A escolha da cor não era
somente devido ao seu simbolismo religioso, mas também seu valor material: o
azul foi, por séculos, considerado uma cor nobre, e pintores renascentistas
como Rafael utilizavam-na
para destacar a imagem da divindade retratada.
Desde a
Antiguidade, o custo da lapis lazuli (pedra afegã de onde era extraído o
pigmento azul), rivalizava, até mesmo, com o preço do ouro. O custo de
importação da lapis lazuli do deserto do Afeganistão ao Egito era caro, e, por
isso, os egípcios desenvolveram seu próprio pigmento sintético, produzido a
partir do dióxido de silício, cobre e álcali. Da lapis lazuli eram produzidas
jóias, objetos cerimoniais, itens de decoração e máscaras mortuárias. Para os
egípcios, o azul estava associado ao céu e às divindades.
Tonalidades escuras
do azul estavam presentes na decoração de templos bizantinos e ilustrações de
páginas do alcorão, pois acreditava-se que era a cor favorita do profeta Maomé.
No século 9, a porcelana
chinesa foi amplamente exportada para a Europa, inspirando o estilo de arte
Chinoiserie, que caracteriza-se por uma imitação européia das tradicionais
técnicas asiáticas de confecção de porcelana.
O azul é destaque
em obras como Moça com
Brinco de Pérola (1665), de Vermeer.
Nos anos 1950, o
pintor neodadaísta Yves Klein criou a
tonalidade de azul-escuro que tornou-se sua marca registrada e foi uma sensação
nas artes do pós-Segunda Guerra Mundial. Para Klein, “o azul não tem dimensões.
Está além das dimensões, enquanto as outras cores, não… Todas as cores
despertam ideias associativas específicas, psicologicamente materiais ou
tangíveis, enquanto o azul sugere o oceano e o céu, que são, na verdade, a
natureza visível do que há de mais abstrato”. [5]
Referências:
[1] Vincent Van Gogh. Corréspondénce general,
número 533, citado por John Gage em Practice
and Meaning from Antiquity to Abstraction.
[2] HELLER,
Eva. Psychologie
de la couleur – effets et symboliques, p. 107.
[3] Paul
Gauguin, Oviri.
Écrits d’un sauvage. Textes choisis (1892–1903). Editions D. Guerin, Paris,
1974, p. 123.
[4] ZUFTI, Stefano (2012). Color in Art, pp-96-97.
[5] Yves Klein
palestrando na Sorbonne, em 1959.
2 comentários
muito legal seu post adorei as referencias de pinturas, tem umas que não conhecia. Arrasa como sempre.
ResponderExcluirbeijos
https://cherrycriis.blogspot.com.br
Fico feliz que tenha gostado, Cris!
ExcluirBeijos!