Comportamento

As mulheres de Bretanha e o legado dos seus chapéus de renda

domingo, agosto 16, 2015

Por Rafaella Britto

Reprodução/Pascal-Dagnan Bouveret - "Les Bretonnes au Pardon" (1887)

A pintura acima, de autoria do acadêmico francês Pascal Dagnan-Bouveret (Paris, 1852 – Quincey, 1929), ilustra a reunião de sete mulheres de diferentes idades, ao aguardo do início da "cerimônia do perdão". O aspecto sereno e a devoção religiosa expressos em seus rostos, (descritos pelo crítico de arte Richard Dortment como “simplicidade e piedade”) são envoltos de morbidez e tonalidades que evocam o sentimento de melancolia. As mulheres, vestidas em trajes típicos bretões, conversam, enquanto são timidamente observadas por dois homens, em pé.
Jamais se ouviu falar em chapéus que houvessem permeado tão tremendamente o imaginário de artistas, ao longo de todas as épocas. Entretanto, os habitantes das vilas isoladas de Bretanha, região administrativa localizada a oeste da França, lutam para perpetuar a tradição e as histórias contidas em suas vestimentas e cultura.


Casais bretões em trajes típicos - 1880 e 1900
Foto: Reprodução

Influência da Art-Déco nos trajes bretões, em 1920
Foto: Reprodução

A Bretanha constitui-se oficialmente como uma nação celta, reconhecida pela Celtic League, ao lado de países como Irlanda, Escócia, Cornualha, Ilha de Man e País de Gales. Sua história inicia-se em cerca de 500 d.C., quando a província de Gália foi tomada pelo Império Romano. Atacados pelos anglo-saxões, os habitantes da Ilha de Bretanha (atual Grã-Bretanha) emigraram para a França, onde estabeleceram seus costumes, tradições e línguas. 
Mesmo após a expansão do cristianismo, (os cristãos de Bretanha são maioritariamente católicos) acredita-se que o povo bretão mantém-se em suas raízes celtas através de práticas pagãs da religião druídica. 
Em termos históricos, a Bretanha possui duas línguas: uma língua céltica, designada como bretão, e um dialeto românico conhecido como gallo. Diante da hegemonia do idioma francês, luta-se para que a nova geração, também frequentadora de pólos tecnológicos, não abandone o “velho estilo”, e por isso muitos jovens declaram-se Bigouden (que significa “boné” ou “chapéu”, e também nomeia uma região situada na Baía de Audierne, a sudoeste da Bretanha) e franceses, ao mesmo tempo.

Jovens Bigouden nos dias atuais
Foto: Reprodução

Jovens Bigouden nos dias atuais
Foto: Reprodução

 Em 1790, a Bretanha foi dividida em cinco departamentos (vilas):
  • Loire-Atlantique (antigamente chamada Loire-Inférieure);
  • Côtes-d'Armor (antigamente chamada Côtes-du-Nord);
  • Finistére;
  • Ille-et-Vilaine;
  • Morbihan.
A tradição destaca-se culturalmente pelas roupas e acessórios exibidos por suas mulheres, que, desde o século XVIII, atraem os olhares sensíveis de artistas de todo o mundo, como Paul Gauguin e Dagnan-Bouveret. Alguns etnologistas apontam que a “semelhança física” com os mongóis indica, possivelmente, a descendência de uma raça asiática ancestral. 
Dentre seus costumes ricamente elaborados com motivos florais sobre seda e veludo, está a presença dos chapéus atados por laços. Solenn Boennec, curador-assistente do Museu Bigouden, diz que os chapéus eram “como um cartão de identidade. Podiam revelar quem você era, de onde veio e se estava de luto por alguém”. A autora Burry Pallister escreveu, em 1869:

“O boné, ou ‘bigouden’, é composto de duas partes: primeiro, uma espécie de gorro, ou 'sere-tête', ajustada sobre as orelhas, a outra um pouco redonda, assemelhando-se, como dizem os mais jovens, a uma “torta de carne de porco”, um chapéu de linho engomado (...) atado por um laço de fita sob o queixo”.


Foto: Reprodução

Cada traje bretão é específico de uma vila - ou departamento, como instituído na França moderna. Em algumas regiões, os trajes de luto são de veludo e possuem rendas e bordados nas saias, e fitas nas extremidades das mangas; outras vilas mantém vestidos e aventais semelhantes aos da década de 1900, e os mais coloridos costumam ser utilizados por moças mais jovens.

Vestuários das vilas Morbihan e Finistére
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuário da vila Finistére
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuários das vilas Ille-et-Vilaine e Loire-Atlantique
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuário da vila Côtes-d'Armor
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuários das vilas Morbihan, Finistére e Ille-et-Vilaine
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuários das vilas Finitére, Côtes-d'Armor e Finistére
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuários das vilas Finistére e Côtes-d'Armor
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuário da vila Morbihan
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuário da vila Côtes-d'Armor
Foto: Reprodução/Charles Fréger

Vestuário da vila Côtes-d'Armor
Foto: Reprodução/Charles Fréger


Fontes:

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2 comentários

  1. Que lindos *-*, alguns eu não usaria, mas outros eu simplesmente desejei aqui. São delicados e femininos. Mais uma peça que serve para afirmar a identidade de um povo.

    As inspirações atuais estão super bacanas também.

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    1. Sou encantada pela beleza da moda Bigouden! Sinto desejo por todos os trajes, mas o mais austeros, com poucas cores ou nenhuma, são os que menos me atraem. Mas, em compensação, as peças ricas em cores e bordados, ai! Meu coração quase salta pela boca!

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Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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