Cinema e TV

11 filmes do cinema mudo latino para ver no YouTube

quarta-feira, dezembro 30, 2015

Por Rafaella Britto

Carmen Santos em "Sangue Mineiro" (Humberto Mauro, 1929) - (Foto: Reprodução)

Ao longo da história, a América Latina buscou traduzir suas dores e belezas nas diversas manifestações artísticas. Desde os primeiros cinematógrafos até a consolidação da indústria do cinema no continente, os latinos despontam como polêmicos e vanguardistas: precursores como P.P. Jambrina, na Colômbia, e Humberto Mauro, no Brasil, almejavam, em seus filmes, a construção de uma identidade nacional. Para além da plenitude artística, os filmes listados a seguir são importantes registros históricos, pois oferecem-nos retratos contrastantes que produzem novos olhares sobre a América do Sul. Parte destas obras permaneceu perdida por até oito décadas, e, posteriormente, foi restaurada e reexibida. Confira 11 importantes películas do cinema mudo latino, disponíveis no YouTube.


Argentina

Amália (Enrique García Veloso, 1914) - Dirigida por Enrique García Veloso, a película "Amália" foi o primeiro longa-metragem produzido na Argentina. Baseada na novela homônima do escritor romântico José Mármol, a trama narra o romance entre a jovem viúva Amália, e o soldado Eduardo Belgrano, interpretados, respectivamente, por Dora Huergo e Lola Marcó del Pont, atores da alta-sociedade argentina. O filme reconstitui a cidade de Buenos Aires no século 19, e estreou no Teatro Colón em 1914. No YouTube, está dividido em 7 partes.




Brasil

Brasa Dormida – (Humberto Mauro, 1928) - Considerado “o pai do cinema nacional”, o cineasta mineiro Humberto Mauro, figura proeminente no modernismo tupiniquim, empenhou-se em mostrar nas telas o verdadeiro Brasil aos brasileiros, com um cinema folclórico, rural e intimista, de aventura e romance. Em "Brasa Dormida", o jovem Luís Soares (Luís Sorôa) é enviado pelo pai ao Rio de Janeiro para estudar. Porém, em vez disto, torna-se vadio, e gasta todo o seu dinheiro em diversões, como corridas de cavalos, o que o impele a procurar emprego para se sustentar. Ele encontra oportunidade de trabalho em uma usina de açúcar, e apaixona-se pela filha do chefe, Anita (Nita Ney). Mas o que ele não esperava era que o industrial, pai de Anita, pudesse opor-se ferrenhamente a relação de ambos. Luís Soares embarcará em grandes aventuras para fazer sobreviver o seu amor.




Fragmentos da Vida (José Medina, 1929) O cineasta José Medina, nascido em Sorocaba, é pioneiro do cinema paulista. Mudou-se para São Paulo em 1912, e, a partir da década seguinte, produziu obras memoráveis. “Fragmentos da Vida” é a maior delas: com argumento baseado no conto americano “The Cop and the Anthem”, de O. Henry, o filme, com duração de 40 minutos, narra a história de um operário, que cai de um andaime, durante o trabalho. Prestes a morrer, aconselha seu filho pequeno a “ser honesto e trabalhador, pois o trabalho abre o caminho da honradez”. Anos depois, o filho, já crescido, ignora o conselho dado pelo pai, e torna-se um vagabundo. Ele decide cometer crimes para ser levado preso, pois julga que, na cadeia, terá uma vida confortável, mas surpreende-se ao constatar que a honestidade humana existe.  
O filme apresenta de forma poética uma reflexão sobre a ética e o sentido da vida, e retratos da cidade de São Paulo no fim da década de 1920: “Como se despertasse de um grande sono, a cidade de S. Paulo, de um momento para o outro, transformava-se radicalmente, cobrindo-se de arranha-céus, esteirando-se de praças, onde predominava o requinte e o gosto de seus habitantes e a sua afirmação econômica”.



Sangue Mineiro – (Humberto Mauro, 1929) - “Sangue Mineiro” é um dos mais importantes filmes brasileiros do cinema mudo. Foi o primeiro filme da parceria entre o cineasta Humberto Mauro e a atriz Carmen SantosÉ o filme mais intimista de Mauro, pois percorre os sentimentos das personagens, e cenários naturais de paisagens interioranas brasileiras, como florestas, cachoeiras e montanhas. Carmen, a partir de então, passaria a integrar o Ciclo de Cataguases (cidade mineira, palco de uma intensa produção cinematográfica, que revelou grandiosos nomes como Edgar Brazil e Eva Nil). Em “Sangue Mineiro”, acompanhamos a história da jovem sofredora Carmen (interpretada por Carmen Santos). Após a morte de seu pai, a menina vive sob a tutela do capitalista Juliano Sampaio, dono de um hotel em Belo Horizonte. Carmen apaixona-se por Roberto (Luís Sorôa), um amigo da família. Na noite de São João, Neuza (Nita Ney), filha de Juliano Sampaio, retorna da capital mineira, onde estudava, e desperta paixões. Ao descobrir que Roberto está apaixonado por Neuza, Carmen foge pelos bosques, e caminha até um rio, onde pretende dar fim a sua vida. Mas é resgatada por dois irmãos, e com eles passa a viver momentos de felicidade no sítio “Acaba-Mundo”. Encantados pela moça, os irmãos passam a disputar o seu amor.



Limite – (Mário Peixoto, 1931) - Patrimônio Mundial tombado pela UNESCO e considerado um dos dez filmes favoritos de David Bowie, o mítico “Limite” foi o único filme do cineasta Mário Peixoto. O polêmico drama existencial ocorre num barco em meio ao mar, onde encontram-se três indivíduos: uma mulher que acabou de deixar a prisão, um homem que perdeu sua amante, e uma suicida. Através de flashbacks, ambos revivem suas histórias passadas, e atingiram o limite de suas existências.
A fotografia inovadora de Edgar Brazil constrói imagens artísticas de tirar o fôlego. “Limite” gerou frenesi à época de sua exibição, chegando a haver balbúrdia e manifestações contrárias. Por este motivo, por décadas não foi exibido novamente, levando o diretor Mário Peixoto à falência. O filme foi recuperado e reapresentado somente na década de 1970, e tornou-se um mito da vanguarda cinematográfica mundial, influenciando movimentos culturais como o Cinema Novo.
Mário Peixoto dizia não se incomodar com o fracasso comercial de “Limite”, pois, para ele, havia cumprido seu objetivo de mostrar que “o tempo é uma ilusão: não existe”.



Alma do Brasil – (Líbero Luxardo, 1932) - O cineasta Líbero Luxardo nasceu em Sorocaba, interior de São Paulo, porém deixou seu legado em terras amazonenses e paraenses. Foi pioneiro de cinejornais e longas na Amazônia e no Pará. “Alma do Brasil”, adaptação da obra literária "A Retirada da Laguna", do Visconde de Taunay, foi o primeiro filme ambientado em Mato Grosso do Sul. O drama histórico possui caráter documental, e reconstitui o episódio da Guerra do Paraguai (1864 – 1870) conhecido como Retirada da Laguna: em janeiro de 1867, cerca de três mil soldados do Exército Brasileiro, liderados pelo coronel Carlos de Morais Camisão, decidiram penetrar o território paraguaio, até alcançar Laguna (hoje município de Bela Vista, Mato Grosso Sul). Entretanto, durante o percurso, os soldados brasileiros foram acometidos de fortes investidas paraguaias, e centenas morreram em decorrência da fome e da cólera.
O coronel Camisão é interpretado por Líbero Luxardo, e a obra utilizou-se dos cenários reais onde ocorreram os episódios históricos.


Ganga Bruta – (Humberto Mauro, 1933) - O filme “Ganga Bruta” é considerado a obra-prima de Humberto Mauro, e, segundo Glauber Rocha, um dos vinte maiores filmes brasileiros de todos os tempos. Nele, o engenheiro Marcos Rezende (Durval Bellini), na noite de núpcias, descobre que sua esposa o trai, e, enfurecido, a mata. Para afugentar da memória a tragédia do crime, o engenheiro decide partir da cidade para o interior, em busca de paz e consolo. Porém lá, apaixona-se perdidamente pela ingênua Tônia (Déa Selva). 
Ao retratar temas polêmicos e impensáveis para a sociedade brasileira do início da década de 1930, como repressão sexual e violência urbana, “Ganga Bruta” sofreu os ditames da censura, e foi recuperado somente em 1952. Erotismo, sensualidade e poesia encontram-se nesta magnífica obra nacional.




Chile

El Húsar de La Muerte – (Pedro Sienna, 1925) - O único exemplar do cinema mudo chileno, e a mais importante produção cinematográfica do país: sucesso desde sua primeira exibição, “El Húsar de La Muerte”, dirigido e protagonizado por Pedro Sienna, narra as aventuras do patriota Manuel Rodríguez Erdoíza, herói da independência do Chile, que realizou inúmeras façanhas como advogado, político, militar e guerrilheiro. A belíssima direção abusa de efeitos especiais inovadores, batalhas épicas e figurinos que auxiliam na reconstituição fiel do período histórico (século 19). A cópia original de “El Húsar de La Muerte” pertence à Universidade do Chile.



Colômbia

Garras de Oro – (P.P. Jambrina, 1926) - O controverso filme colombiano “Garras de Oro” foi o primeiro filme anti-imperialista da América Latina. A história faz severas críticas ao papel dos Estados Unidos no episódio da tomada do Canal do Panamá pelos norte-americanos, em 1914, que deixou feridas abertas no continente latino. No filme, um cidadão estadunidense alia-se a causa colombiana, opondo-se a soberania de seu país. A última cena é uma metáfora da vitória norte-americana: “Tio Sam” rouba do mapa o Canal do Panamá, e inclina a balança da justiça, com bolsas cheias de dinheiro. A balança é segurada por uma moça de olhos vendados, representando a sujeição da América do Sul. “Garras de Oro” também foi o primeiro filme colombiano a possuir alguns fotogramas coloridos, pintados a mão.
P.P. Jambrina é o pseudônimo de Alfonso Martínez Velasco. Crê-se que, para fugir à censura, todos os envolvidos na produção do filme utilizaram pseudônimos, o que não funcionou, pois o filme foi proibido pelos Estados Unidos, e jamais pôde ser recuperado em sua totalidade, restando, hoje, apenas 55 minutos.



Bolívia

Wara Wara – (José Maria Velasco Maidana, 1930) - O drama boliviano “Wara Wara”, dirigido por José Maria Velasco Maidana, e baseado na peça “La Voz de La Quena”, de Antonio Diaz Villamil, conta a história de amor entre a princesa Wara Wara, filha de um índio, e o capitão espanhol Tristín de La Vega, na época da Conquista Espanhola. O filme foi exibido pela primeira vez na cidade de La Paz, em 1930. Foi recuperado após 80 anos, e reexibido nos anos 2000, com escasso público.



El Bolillo Fatal o El Emblema de la Muerte (Luis del Castillo, 1927) - O curta-metragem documental "El Bolillo Fatal o El Emblema de la Muerte", dirigido por Luis del Castillo, registra o fuzilamento de Alfredo Jáuregui, acusado de assassinar em 1917 o presidente boliviano José Manuel Pando. Logo após sua estreia, em 1927, a película foi imediatamente censurada, e não foi vista por 85 anos, até que, em março de 2012, na cidade de La Paz, a família Guerra doou a presente cópia, hoje propriedade da Cinemateca Boliviana. Este foi o último fuzilamento legal da Bolívia.

You Might Also Like

1 comentários

  1. Antes de mais nada, o Layout está lindo!♥

    Você realmente não quer que eu tenha vida social nesse mês, rsrsrsrs. Simplesmente vou ter que ver todos, e tenha certeza que esse post vai estar nos meus favoritos vintages de janeiro! *-*

    Esse Wara Wara vai ser o primeiro que eu irei ver.

    ResponderExcluir

Sobre

Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


Entre em contato através do e-mail:


contato.imperioretro@gmail.com

Termos de uso

Os textos aqui publicados são escritos e/ou editados por Rafaella Britto e só poderão ser reproduzidos com autorização prévia da mesma (Lei do Direito Autoral Nº 9.610 de 19/02/1998). Produções e materiais de terceiros são devidamente creditados. As imagens ilustrativas são coletadas a partir de locais diversos e são empreendidos todos os esforços para encontrar seus autores/detentores e creditá-los. Se você, artista ou pessoa pública, teve sua imagem utilizada sem autorização, entre em contato e prontamente iremos creditá-la ou retirá-la de nossa publicação.