Comportamento

Breve história da higiene íntima feminina

segunda-feira, agosto 03, 2015

Por Rafaella Britto

"Grande Odalisque" - Jean Auguste Dominique Ingres
Foto: Reprodução

“O sangue menstrual... a essência da feminilidade” - escreveu Simone de Beauvoir em sua obra “O Segundo Sexo”.

A investigação acerca dos produtos para higiene íntima feminina ao longo das eras está diretamente relacionada ao estudo da condição da mulher na história.


Antiguidade

A palavra “menstruação” é etimologicamente associada à “mensis” (em latim, mês), palavra que, por sua vez, deriva do grego “mene” (lua).
Na Antiguidade, associava-se a lua crescente às deusas virgens como Artemis e Diana, da cultura greco-romana, e, mais tarde, a Virgem Maria. Nas civilizações matriarcais, como o Havaí, o sangue menstrual era cultuado como símbolo da fertilidade.

Mulheres havaianas
Foto: Reprodução

Em egípcio, “hsmn” (lê-se “hesmen”) é a antiga palavra para “menstruação”, e pode ser encontrada em hieróglifos e papiros. Na sociedade antiga, a menstruação possuía tratamento ambíguo: enquanto, para alguns, o sangue representava limpeza e renascimento, na cultura judaica a mulher deveria permanecer isolada neste período, pois era considerada impura.

Excerto do Papiro de Edwin Smith, o mais antigo texto de medicina do mundo. Grifada, a palavra "hsmn" (menstruação)
Foto: Reprodução

No Egito Antigo, o sangue possuía efeito curativo, e era utilizado na fabricação de remédios, pomadas e unguentos. As mulheres grávidas utilizavam óleos específicos para prevenir estrias. Estes óleos eram armazenados em recipientes com formato de um corpo nu, sem genitália. Utilizava-se o sangue menstrual também como solução mágica para nascimentos prematuros, e como pomada para proteger os recém-nascidos dos demônios.
No Egito Romano, a circuncisão era bastante difundida entre homens e mulheres. As mulheres chegavam a remover o clitóris. Após esta cirurgia, protegiam-se com pequenas almofadas para conter o sangue.
Para absorver o sangue menstrual, as mulheres egípcias utilizavam papiro amolecido como tampões inseridos na vagina. O tyet, antigo símbolo usado como amuleto pelos egípcios, é também conhecido como “Sangue de Isis”. O significado do símbolo é obscuro, porém fontes afirmam que o tyet é a representação do tampão menstrual usado pela deusa Isis quando estava grávida de Hórus (na mitologia egípcia, o deus dos céus).

Tyet (ou "Sangue de Isis")
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Em Roma, os tampões vaginais eram feitos de lã macia; na Grécia, eram envolvidos em pequenos pedaços de madeira. Outras formas absorventes no Mundo Antigo eram musgo, peles de animais e grama.

"Le Coucher de Sapho" - Charles Gleyre
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Era Medieval e Renascença

Durante a Era Medieval e Renascença, a organização social europeia era regida pelo clero. Acreditava-se que o sangue menstrual e as dores do parto eram consequências da maldição lançada sobre Eva no Jardim do Éden, no mito do Pecado Original descrito no relato bíblico de Gênesis:

"E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará." 

("A tentação de Eva e a queda do homem" - Gênesis 3:16)

"The Birth of Mary" - 1470
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Neste período, a menstruação era considerada anti-higiênica. As mulheres, durante estes dias, deveriam manter-se distante, pois estavam em “estado de poluição”, e não poderiam ser tocadas. Por este motivo, não era permitido que tivessem relações sexuais com seus parceiros durante o ciclo.
Para os médicos da Renascença, a menstruação não representava somente fertilidade, mas também a liberação mensal de resíduos corporais que, se acumulados, poderiam causar doenças. Assim, a mulher mais velha que não houvesse menstruado representava risco para segurança, e era como um veneno para homens e crianças.
Para conter o fluxo menstrual, utilizava-se almofadas feitas de gaze e pedaços de cambraia e algodão.

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Século 18

Somente no século 18, na França, o odor menstrual seria considerado atraente:

“Na França do século 18, menstruações eram consideradas como sendo ‘impregnadas com os sutis vapores transmitidos pela essência da vida’. Isto era particularmente atraente, já que a mulher estava ‘liberando eflúvios sedutores’ e ‘fazendo um apelo a sua fertilização’. Assim, as sociedades têm celebrado o sedutor aroma da menstruação, ao invés de sufocá-lo.”

(Alain Corbin, “The Foul on the Fragant: Odor and the French Social Imagination” – Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1986)

"Blonde Odalisque" (Portrait of Mademoiselle Louise O'Murphy) - 1751
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Século 19

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No século 19, as almofadas absorventes eram fabricadas de forma caseira. Entretanto, isto não era costume entre as mulheres rurais e as pertencentes às classes baixas. Nos períodos menstruais, operárias eram impedidas de trabalhar em refinarias de açúcar, pois poderiam estragar as comidas.
Em 1839, o inventor norte-americano Charles Goodyear desenvolveu a tecnologia de vulcanização da borracha, o que, posteriormente, permitiu a manufatura de dispositivos intrauterinos, preservativos e diafragmas anticonceptivos. Outros inventores patentearam produtos como recipientes feitos de mola e bandagens menstruais.

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Porém em 1873, nos EUA, devido à lei federal que impediu a venda e distribuição de materiais de conteúdo pornográfico, grande parte desses produtos não chegou às prateleiras. A indústria de controle de natalidade cunhou o termo “higiene feminina” para anunciar seus produtos reembalados, e sem prescrição médica.
Somente em 1896 seria lançada nos EUA a primeira marca comercial de absorventes higiênicos: a “Lister’s Towels”, produzida pela Johnson & Johnson. A marca foi considerada pioneira e vanguardista para tempos tão pudicos.

Propaganda - Lister's Towels
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Início do século 20

As almofadas absorventes caseiras passaram a ser produzidas a partir do mesmo material de fraldas para bebês. As almofadas eram presas às roupas de baixo ou a cintos de musselina. Bloomers e aventais sanitários, projetados para proteger de vazamentos e manchas, eram enviados através dos correios. 

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1910

Na década de 1910, foi lançado o Midol, remédio para dores de dente e dores de cabeça, e que proporcionava alívio também para as cólicas menstruais.

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1ª Guerra Mundial

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Na França, enfermeiras substituíram os absorventes de algodão pelos curativos de celulose utilizados nos soldados feridos, pois absorviam o fluxo sanguíneo de maneira mais eficiente.


1920

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Chegaram ao mercado os absorventes descartáveis da marca Kotex (combinação de “cotton” e “texture”), usados com cintos sanitários reutilizáveis. O Kotex era disponibilizado nos contadores, juntamente com caixinhas discretas para depósito do dinheiro. Assim, evita-se o constrangimento de pronunciar em voz alta a palavra “menstruação”.
O Kotex teve impacto na moda: as roupas íntimas femininas passaram a ser confeccionadas em crochê.
Em 1927, Johnson & Johnson introduziu a marca Modess, a maior competidora da Kotex no mercado de produtos para higiene íntima da mulher.

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1930

A atriz e escritora Leona Chalmers foi responsável pela primeira patente do coletor menstrual, inicialmente chamado Tass-ete. O projeto original sugeria a fabricação dos coletores a partir da borracha vulcanizada. Houve divulgação significativa, porém, durante a Segunda Guerra Mundial, matérias-primas foram racionadas, impedindo a fabricação do produto.

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Os coletores menstruais seriam fabricados novamente somente em 1950, contudo, sem aceitação do público feminino. De 1930 a 1960, o desinfetante Lysol foi também utilizado como ferramenta contraceptiva. Os anúncios sugeriam “um produto de higiene feminina para mulheres casadas”.

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1940

As campanhas publicitárias “Modess... because” tornaram-se vitrines para a fotografia de moda e a alta-costura.

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1950

Os Pursettes, tampões de tampa lubrificada, tinham como público-alvo as adolescentes. Em tempos em que a Igreja Católica condenava métodos artificias de controle de natalidade, os Papa Pio XII, em seus ensinamentos sociais, declarou ser favorável à sanção do “método do ritmo”. Seu discurso é considerado a primeira aceitação explícita de métodos de controle de natalidade pela Igreja.

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1960

O lançamento da primeira pílula anticoncepcional foi o estopim para a revolução sexual. Entretanto, as primeiras amostras apresentaram riscos à saúde de suas adeptas. 
Em 1963, o livro “A Mística Feminina” – ensaio social acerca da condição feminina sob a ótica do capitalismo -, de Betty Friedan, fomentou a segunda onda do feminismo.

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1970

A polêmica escritora norte-americana Judy Blume introduziu a literatura infanto-juvenil assuntos poucos abordados, até então, como sexo, racismo e bullying.
As mulheres foram encorajadas a realizarem o método abortivo da extração menstrual.
Em 1973, a Suprema Corte dos EUA reconheceu às mulheres o direito ao aborto e à interrupção voluntária, o que diminuiu a popularidade da extração menstrual.

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1980

Em 1987, é lançado o The Keeper, primeiro coletor menstrual fabricado em dois tamanhos, sendo um deles para mulheres jovens e sem filhos. O produto foi recomendado por médicos, e considerado seguro, econômico e capaz de reduzir infecções genitais causadas pelo uso do absorvente externo. 

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1990

Na década de 1990, foi lançado o revolucionário Fresh n’ Fit Padettes, pequena almofada absorvente projetada para ser posta horizontalmente, entre os lábios da vulva. Inicialmente, as mulheres se mostraram entusiastas, mas logo silenciaram, e os Padettes tornaram-se produtos obsoletos.  

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Anos 2000 e atualidade

O advento da internet proporcionou o surgimento de novos movimentos politicamente engajados na promoção dos direitos femininos. Sustentabilidade tornou-se a palavra da moda: as mulheres da atualidade visam à saúde, atrelada ao bem econômico e ecológico. Para reduzir os impactos no meio-ambiente, algumas vêm substituindo os absorventes descartáveis pelos coletores menstruais reutilizáveis.


Fontes:

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3 comentários

  1. Excelente texto! Primeira vez que vejo um post de cronograma histórico á partir da menstruação. Só não ficou claro o surgimento dos absorventes internos, você diz que eles ficaram obsoletos? Grande parte das mulheres ainda usam absorventes internos, agora é que está "na moda" o uso dos coletores.

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Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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